sábado, 2 de janeiro de 2010

O gato e a guerra

A noite baixou; o calor era sufocante. Eu não conseguia dormir, muito menos ficar acordado: eu entrara naquele dilema entre o sono e o desconforto. Fui à sala e tomei uma água gelada para refrescar o corpo (e o espírito). Me sentei no sofá...Esperei algo novo acontecer (ora, um acontecimento já é novo, não? Há pleonasmo na frase?).  Não sei. Eu sei: dificilmente algo ocorre em uma madrugada em casa.

O silêncio só era quebrado pelo som dos automóveis; poucos, é verdade, mas constantes e cortantes. Pensei em voltar à cama... De repente ouço um miado. Fraco, mas contumaz miado. Um miado baixinho, singelo, infantil, até. Ele estava perto, logo ali talvez, do outro lado da parede, no quintal.

A essa altura minha imaginação ia longe. Um gato entrara em casa a fim de me perturbar o sono. Gatos adoram atrapalhar sonos alheios, pois eles mesmos (os gatos) nunca dormem. Eles fingem, sim, se fazem de quietos, de mortos, mas estão a nos observar: logo revelarão os nossos segredos aos monstros que vão aparecer em 2012. Aí, amigo, danou-se: seremos escravizados pelos monstros e seus gatos seguidores; quem não falar miado será assassinado; e os outros humanos, mais capazes, sobreviverão, mas nunca mais vão dormir.

Assustado, acordei do devaneio. O miado lá fora continuava. Que droga! Agora que não ia mais dormir. Fui ao quintal a fim de calar o gato. “Cale-se”, eu gritei. “Miau”, respondeu ele. São teimosos mesmos, os gatos. Finalmente o vi entre algumas plantas. Era minúsculo, um filhote. Tinha um pequeno laço vermelho no pescoço.

Não me enganei: aquele ser deveria ser posto na rua, senão nunca mais eu dormiria. E, afinal, eu já tenho um cachorro doméstico. Não preciso de gatos nem eles precisam de mim. A solução? Abri o portão, fui até a casa ao lado e coloquei o gato no quintal do vizinho. Fim.

Voltei para cama. Cinco minutos depois o miado retornou, mais singelo, clemente, até. “Esse gato não me esquece? Será que entrou em casa de novo? Mas tudo bem, vou deixá-lo lá. Amanhã decido o que fazer”, pensei, e fui finalmente me dedicar aos sonhos.

Eu dormia quando ouvi latidos ferozes. Aliás, me pareceram latidos asmáticos, como se os cachorros fumassem há anos. Fui correndo à janela da sala. Olhei. O gatinho, encostado do lado de fora do portão, estava encurralado por dois cachorros de rua. Eles latiam furiosamente, desejando a carne do felino entre os dentes. E o gatinho, coitado, tremia de medo: encolhido, não tinha aonde ir, pois não conseguia entrar no meu quintal, muito menos encontrar uma rota de fuga pela rua.

Fiquei a observar a cena, curioso. Assim mesmo, passivo, contemplando a batalha sangrenta. É incrível o fascínio da guerra, não? Torcia pelo gato, claro; ele é fraco e indefeso, pois. Os cães, ao contrário, são cruéis, mas reconheci que estavam apenas fazendo o trabalho deles. Que droga, eu nem gosto da guerra, cara. Só quero comer um hambúrguer e dormir em paz, sem questionamentos difíceis.

A briga continuou. Eu não sabia o que fazer, incapaz de reação. Lentamente, um rapaz, que puxava uma caçamba de lixo, parou em frente ao portão. Ele olhou a cena, intrigado. “Que covardia é essa?”, gritou. Pegou o gatinho com as mãos, guardou-o na caçamba e foi embora. Os cachorros perderam o alvo; eu, a noite.

3 comentários:

Maíra disse...

Quase peguei o gatinho eu mesma, agora! :)

Nath disse...

"(...)Que droga, eu nem gosto da guerra, cara. Só quero comer um hambúrguer e dormir em paz (...)"


hamburguer com carne de gato?
AHAHAHA, ta, parei.

engracado como eu realmente consegui visualizar a cena aqui. E voce tava de pijama listrado (azul e branco), ahahahahhahah

Unknown disse...

Ainda acho que você deveria ter saido e protegido o gatinho.

Eu sairia pra proteger você de dois batedores-de-cabeça do show do Matanza, que nem aqueles que a gente imaginou usando a Fernanda de palito de dente.

Até hoje eu racho o bico imaginando a cena. Como a gente é idiota!