sexta-feira, 25 de julho de 2008

Eu, massageado

Hoje eu fiz massagem. Sim, meu caros, enfrentei o medo, a vergonha e o receio de encontrar um massagista mais ou menos como o Odvan, antigo jogador do Vasco da Gama (lembra?). Mas não: tive a sorte de me deliciar com as mãos da senhorita Fernanda. O nome dela não é esse, suponho, mas achei que ela tem o jeitinho de Fernanda.

Entrei na sala, todo cheio de culpa: eu, um garoto de dezenove anos, de tênis furado, nada calmo e que ainda sente fortes dores no rim esquerdo, aqui nesta sala estranha? Massagem? Isso não é para mim, desculpe. Vou ali ao Mc Donald's e já volto.

– Você não vai se sentar? – perguntou a Fernanda, com jeitinho, toda de branco, linda.
– Claro – respondi, cheio de vergonha.

Eu olhei para a cadeira. A cadeira olhou para mim. Espera aí, não é uma cadeira normal! Primeiro, eu tenho que ficar numa posição estranhíssima e colocar a cara num buraco (não me levem a mal, por favor). Segundo, eu olho para o chão o tempo todo: qual é a graça de olhar para o chão enquanto a Fernanda me faz a massagem?

A sala estava cheia de pessoas sendo massageadas. É aí que minha imaginação ganhou espaço: por que elas estão ali? Será que estão estressadas tanto quanto eu? Foram traídas pelos maridos ou esposas? Têm tiques nervosos ou manias estranhas, como olhar três vezes se o gás está desligado? Aquela senhora ali do lado tem jeito de operadora de telemarketing.

Começa a massagem e a primeira coisa que descubro é que tenho cócegas nas costas. Pode dizer, não sou uma pessoa normal. Enquanto todos estavam tranqüilos, relaxados, pensando em monges tibetanos, eu estava rindo com aqueles murros que a Fernanda me dava.

O tempo foi passando e eu relaxando. Senti o fluxo (olha que lindo!) daquela musiquinha que tocava. Pensei em abandonar o mundo e virar monge, aderir ao yoga, comer apenas alimentos saudáveis, dormir no mato e jogar peteca com os amigos. De repente...

– Acabou – sussurrou a Fernanda em meus ouvidos;
– Não, não acabou – insisti.
– Acabou sim, você já pode se levantar.
– Não. Eu te amo tanto.
– Só fiz uma massagem em você, nem te conheço.
– Tudo bem, obrigado.

Fui embora, sem o peso nas costas.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Conta Outra

Ele foi cavando, cavando, cavando, pois sua profissão – coveiro – era cavar. Mas de repente, na distração do ofício que amava, percebeu que cavara demais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que, sozinho, não conseguiria sair. Gritou, mas ninguém o escutou. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enlouqueceu de gritar, cansou de esbravejar; desistiu quando a noite chegou. Sentou-se no fundo da cova, desesperado: o que fazer para sair desse lugar horrendo?
Essa história que você acabou de ler foi contada para um número de aproximadamente quarenta crianças de três a sete anos, na unidade do Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Elas, as crianças, passaram medo, gritaram, perguntaram, tentaram adivinhar o final, enfim, amaram a historinha.
(Ah, e você também quer saber o final da história, não é? Leia a matéria inteira que eu conto).
E não é apenas essa história que anda fazendo sucesso entre a molecada, mas diversas outras: o mercado de contações de histórias infantis chegou e conseguiu o seu lugar no coração dos pequenos.
Atualmente, o número de espaços que realizam este trabalho vem crescendo significativamente. Livrarias, bibliotecas, praças, escolas, entre outros. É o caso da livraria infanto-juvenil NoveSete, também no bairro da Vila Mariana, que realiza contações há sete meses. “Criamos esse projeto com o objetivo de alcançar uma integração maior entre as crianças, com o próprio espaço da livraria, com os livros, com este enorme universo literário”, afirma Gislene Gambini, proprietária do lugar.
As escolas públicas também se interessaram por passar aos seus alunos um pouco deste universo. “Recebemos diversos convites da Prefeitura de São Paulo para contar histórias, o que demonstra um interesse dos órgãos públicos de ampliar os horizontes culturais dos alunos mais carentes”, diz Fernanda Viacava, da Companhia Teatral Dedo de Prosa.

O que contar
Os temas são os mais variados, desde a relação entre as pessoas com o trabalho até contos populares de outros países, como o de Pedro Malazartes. “Tentamos diversificar, mas sempre tocamos a questão do vínculo entre as pessoas, as relações de amor, confiança.”, reflete Kiara Terra, contadora de histórias há oito anos.
Contos famosos, como o dos Três Porquinhos, geralmente não são bem aceitos pela criançada, pois todos já sabem a trama, os personagens, o final. “A criança quando ouve nossas histórias não quer saber da Chapeuzinho Vermelho. Essa ela ouve em casa, com os pais. O ideal é usar contos não muito conhecidos. Utilizar a cultura indígena, africana, européia”, diz Fernanda.
Histórias de terror, como a que você leu no início desta reportagem, também são sempre usadas. É uma forma de mostrar para as crianças com menor idade as diversas possibilidades que a vida pode ter; que nem tudo é um conto de fadas e que o final, às vezes, pode ser infeliz. “Uma vez, em uma história de terror, uma garotinha chegou a urinar nas calças de tanto medo. Mas isso foi importante; ela se reconheceu na história. Viu que, como ela, o personagem também sente medo, que é um sentimento normal.”, explica Fernanda.

Como contar
Um espaço livre, um banquinho (mas pode ser no chão mesmo), uma boa história, e o principal: crianças! Pronto, você também já pode contar uma história infantil. Não é preciso ter formação em artes cênicas para ser um bom contador: ter que ter o “jeito”, segundo os contadores profissionais, que vão desde psicólogos até pedagogos. “Basta apenas ter afinidade com os livros, saber se expressar bem, chamar a atenção das crianças”, explica Beatriz Pecci, consultora literária da livraria NoveSete.
A principal dificuldade de contar histórias às crianças, segundo os profissionais, é manter a atenção dos pequenos. Se a história for muito longa, a criança se perde, ou não presta a devida atenção. Por isso é sempre importante utilizar métodos que a façam entrar nas histórias: músicas, perguntas, interromper a história no meio e perguntar se todo mundo se recorda do início, são alguns truques dos contadores. “Se a criança não gostar da história, ela vai reclamar mesmo. Eles são muito sinceros”, diz Dinah Feldman, também da Companhia Dedo de Prosa.

Por que contar
A tradição de narrar histórias vem de longa data. Antigamente, antes do surgimento dos livros, as notícias eram passadas de boca a boca; não havia como propagar um fato sem utilizar a oralidade. Depois da invenção da prensa, tudo mudou. As histórias encontraram um meio de se perpetuar no tempo e no espaço, atingindo, assim, um maior número de pessoas.
Atualmente, com o surgimento das novas mídias, como a televisão e a internet, criou-se uma sociedade baseada, principalmente, na imagem. “Contar histórias quebra essa coisa de ter tudo ali na sua frente; as crianças imaginam as cenas, os personagens, as situações: nada está pronto para elas”, afirma Dinah. ”Resgatamos também a arte de sentar e simplesmente ouvir o outro, o que não é mais tão comum na nossa sociedade.”, diz.
As contações também ajudam a introduzir a criançada no mundo dos livros. “Às vezes, os pais nos procuram para indicarmos algumas obras para seus filhos”, diz Fernanda. “O que fazemos desperta nas crianças uma curiosidade por um mundo novo: o dos livros. Já é natural da criança querer conhecer tudo, mas quando ela ouve uma história, isso cresce de uma maneira fantástica. É muito gratificante”, completa.

(Agora que você chegou até o final desta reportagem, vou contar o desfecho da historinha do início):
Só um pouco depois da meia-noite é que vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça apareceu lá em cima. Era um bêbado. Perguntou o que havia: “O que é que há?”
O coveiro gritou: “tire-me daqui, por favor. Estou morrendo de frio”. Então o bêbado disse: “Coitado, tem toda razão de estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de você, meu pobre mortinho”. E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs a cobri-lo cuidadosamente.

domingo, 20 de julho de 2008

E se...

Estava eu roendo as unhas quando meu amigo Sato deu a seguinte sugestão: “Você poderia escrever sobre escolhas”. Acatei a idéia do japonês e vomitei este pequeno texto que vem a seguir.

Se eu não tivesse escolhido seguir o conselho de minha mãe naquele dia chuvoso de fevereiro de 2006 não teria ido à escola. Eu não indo à escola não ouviria a frase que meu amigo Renato disse baixinho ao meu outro amigo Ivan: “Ouvi uma banda chamada Arctic Monkeys”. Eu, sendo curioso, procurei o tal Arctic Monkeys. Ouvi. Gostei. Comprei o CD e a camiseta. Virei fã. Quis ir ao show. Chamei meus amigos Renato, Daniel e Camila. Marcamos na estação. O Daniel levou o seu amigo Thiago e ambos chegaram atrasado. A Camila não: estava lá antes de todos. O festival já havia começado. Decidimos beber um pouco antes entrar. Compramos quatro vinhos e duas cervejas. Ninguém bebeu os vinhos. Eu bebi as cervejas. Entramos no show. Se a Camila não fosse baixinha, nós não tentaríamos ir lá para frente. Se a Camila não discutisse com a garota dançante, nós não iríamos mais a frente ainda. Enfim, se o cara nordestino não tivesse cansado pela falta de água. Se houvesse água. Se eu gostasse de Björk e se um estranho homem não caísse encima de nós, eu não teria te conhecido, Carla.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Crônica de um amor passado

Para Carla

Era texto. Ele a amou primeiro em texto, como a musa inspiradora de grandes olhos azuis. Ela se apaixonou pelo que ele escrevia. E os dois se amaram em letras, em parágrafos, em pontos, em vírgulas, em exclamações e em beijos de mentirinha.

Um dia, eles decidiram que o amor não cabia mais em papéis e páginas de computador: o amor cresceu, cresceu, cresceu... e de tão grande, pulou fora do imaginário dos dois; agora ele era praça, cinema, pipoca, chuva e guarda-chuva, beijos e petit-gateau aos domingos.

O garoto descobriu que a amava de todas as formas e jeitos e em todos os momentos: amava todas as palavras tímidas que ela dizia, o jeito que ela levanta a sobrancelha, todos os suspiros asmáticos, e amava o jeito dela descer escadas.

Então eles namoraram e foram felizes. Mais que felizes: eles pensavam da mesma forma e riam da mulher que os tratavam mal. Para ele, isso era o amor.

Mas tudo tem chega ao seu final. E o fim do amor deles chegou.
Tudo acabou: o namoro, os beijos acabaram, as segundas-feiras juntos acabaram, o filme acabou, a felicidade, o mundo. E o que sobrou? O texto, pois é só isso que ele sabe fazer. Ele é texto, é crônica.