domingo, 28 de dezembro de 2008

2008: sim, esse terminou

Ainda não aconteceu, mas tenho certeza que até o dia 31 alguém gritará: “2008 passou rápido, não?”. Desculpe, eu não achei. O ano passou da maneira como deveria: igual a todos os anteriores e, provavelmente, parecidíssimo com os que estão por vir.

Janeiro, por exemplo, foi igualzinho: chuvas, enchentes, calor, tédio e Big Brother Brasil. Será assim no próximo também, duvida? O primeiro mês do ano continuou com 31 dias, com 24 horas cada um. Fevereiro teve um dia a mais, é verdade. Ou seja, 2008 durou além do normal.

Aliás, os primeiros meses do ano são sempre esquecidos no final. Eu não lembro de nada tão importante, pra falar a verdade. É claro que vivemos tragédias, crimes bárbaros, essas coisas; mas nós, brasileiros, nos acostumamos entre uma tragédia e outra. O que seria do Brasil sem casos de Isabelas e Eloás, sem contar quedas de avião (esse ano não teve nenhuma, ufa!), seqüestros de gente famosa, corrupção? Apesar de eu gostar daqui, viu? E tenho orgulho.

2008 foi diferente também pelo número de datas comemorativas. Só para citar algumas que me vêm à mente: 200 anos da vinda de D. João VI ao Brasil, 100 anos do início da imigração japonesa, 100 da morte de Machado de Assis, 40 do aclamado 1968 e do AI-5, 100 anos de Cartola, 50 anos da bossa nova.

Fico pensando no que vamos comemorar daqui a alguns anos, como nos lembraremos de 2008? Sinceramente eu não sei. Foi totalmente normal para mim, com algumas pedras no meio do caminho, é claro, mas nada que não se resolva. Coisas boas também, muitos amigos e pessoas generosas. Consegui um emprego! Tive um dinheirinho só meu.

Enfim. Aliás, taí uma palavra que viciei em 2008: enfim. Todo texto meu tem um ‘enfim’, já reparou? “Aliás” também! “Apesar”! Outra palavra que vicei foi “adeus”. Não sei por que, mas ela me parece tão bonita. Adeus. A Deus. Há Deus.

Tanta besteira me deixou confuso. O ano acabou e eu não sei como terminar o texto. Vai assim mesmo: Feliz 2009!

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

"Um dia as pedras se encontram"

Odeio despedidas. Aliás, alguém gosta? Tudo bem que existe aquele sentimento de perda e tristeza que o meu coração mórbido e masoquista aprecia, porque, além de tudo e de outras coisas, eu, você e todos nós, gostamos de sofrer um pouco.

Mas se despedir é um porre. E se for permanente, ou seja, se você nunca mais vai ver a pessoa, é duas vezes ruim. Você relembra todos aqueles momentos que passaram juntos, todas as discussões, as brigas, os beijos e abraços etc. E o pior é que, agora, no calor (ou no frio) do adeus, esses momentos até parecem bons, alegres, deixam a sensação de dever cumprido, de experiência vivida, de “tivemos que passar por isso, não é?”.

O coração aperta, são trocadas as últimas palavras, os últimos olhares, as últimas obrigações burocráticas. Ah, se sobrasse mais um tempinho pra conversar, eu diria que sentirei sua falta, que adorei reclamar com você, falar mal dos outros, enfim, ser estagiário com você. Mas o mundo não é feito de “se”; o mundo é composto de salas quadradas com computadores sem coração.

E, infelizmente, no final a gente sempre diz, com lágrimas nos olhos: “Ah, um dia eu passo por aqui, a gente marca alguma coisa”. Mas ambos sabem que isso não vai acontecer. Nunca acontece. As histórias precisam de um ponto final, não de reticências...

Enfim, o fim está chegando, não há mais palavras. Vamos embora e nunca mais nos veremos...As músicas tocam nas caixas lá em cima, músicas que sempre consideramos chatas, mas que agora até parecem legais, emocionantes...Através da janela, nós vemos os prédios e a chuva, como em todas as despedidas.

domingo, 14 de dezembro de 2008

O bêbado e a perna esquerda

A enfermeira passou por ele* com uma cara de piedade no rosto. Era a mesma expressão de pena e compaixão que ela lançou a todos os enfermos do Hospital São Marcos, em Ferraz de Vasconcelos. Era o fim para ele, pelo menos para uma parte dele. A última cena de um espetáculo que ninguém viu. E se houve espectadores, eles se retiraram antes do segundo ato.

Ninguém foi visitá-lo no hospital: nenhum dos seis filhos que teve, nenhuma das duas ex-esposas, dos muitos parentes, dos poucos amigos. Ninguém. Todos se afastaram quando perceberam que as farras não teriam fim e as bebedeiras continuariam eternamente. “Você acha que alguém gosta de bêbados?”, questiona. “Bêbados são inconvenientes, cheiram mal, falam verdades às pessoas. E esse povo não gosta dessas coisas, principalmente das verdades”, filosofa.

Diagnosticado com trombose na perna esquerda, ele deveria amputá-la. “Eu não sei o que aconteceu, me disseram ‘você vai ter de tirar a perna’, eu disse ‘tudo bem, que dia?’”. Quatro semanas depois, lá estava ele deitado na desconfortável maca, esperando a operação.

Os médicos entraram na sala, diferentes que são de suas ajudantes. “Médico não tem sentimento”, diz. “Eles me olham como um idiota que resolveu ficar doente por falta do que fazer”. Mais um doente, mais uma operação, mais tempo perdido. “Às vezes eu tenho a impressão que eles nos liberam do hospital só para morrermos em casa, sabe?”, completa.

Os dois homens de branco se aproximaram, com os instrumentos nas mãos. “Agora tudo está perdido”, pensou na hora. Era a última vez que ele veria sua perna esquerda. Dali a poucos minutos, seria alcançado pelo sono devastador da anestesia. Em poucas horas, sua perna não estaria mais lá, ela o deixaria para sempre: um pedaço morto separando-se de um corpo ainda vivo. “Foi o preço de uma vida do caralho”, diz.

Quando acordou, ele ainda a sentiu. Eles desistiram? Se deram conta da importância do membro para o homem? “Eu senti como se minha perna ainda estivesse lá”, disse. Mas não estava. Fora embora para algum lugar onde se guardam as pernas amputadas. “Imagino lugares onde eles escondem essas coisas, pernas, braços, mãos, pés”. O Campo dos Desmembrados? “É, talvez, mas gosto mais de A Terra dos Membros Perdidos”.

Não deve ser fácil perder uma parte do corpo em uma cidade com as limitações físicas de São Paulo, que em poucos lugares pode ser chamada de acessível. “É complicado realmente, ainda mais quando você joga futebol”, explica. “Agora vou ter que virar goleiro”. E vai parar de beber? “Eu não, pra quê? Já perdi uma perna, estou ficando velho e a bebida é a única coisa que me deixa feliz”.



* resolvemos ocultar o nome para evitar problemas lá na rua.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A gostosa e eu

Confesso que eu já havia perdido a esperança de encontrar algum assunto merecedor de uma crônica para este blog vil até que, hoje, esperando o ônibus, aconteceu um fato digno dos melhores folhetins globais, me deixando a nítida sensação de estranheza com a pequenez do mundo em que vivemos.

Primeiro, cabe uma volta ao passado: em algum dia deste ano, Sato, Daniel e eu voltávamos da faculdade pela Rua Bresser quando, sem mais nem menos, uma gostosa nos roubou o olhar. E que gostosa! Merece até o adjetivo gostosíssima (que é para poucas). Como diz Antonio Prata, uma gostosa é um acontecimento literário. Concordo. Ficamos, como sempre, com a gostosa na cabeça; quero dizer, no pensamento (para não gerar interpretações alternativas).

Então, eis que hoje, alguns meses (e quilômetros) depois, eu encontro a gostosa no mesmo ponto de ônibus onde todos os dias espero impacientemente o meu coletivo. E para deixar a história mais novelesca ainda: ela estava conversando com a minha amiga de ônibus-comum Rita, premiada vendedora da Avon.

É claro que eu fui puxar conversa. Afinal, sou amigo da Rita, poxa. Foi aí que eu conheci a gostosa. Monique é o nome dela. Particularmente, eu sempre achei Monique um nome lindo, digno de princesas francesas do século XVIII, mais ou menos.

– Eu já não te vi em algum lugar? – perguntei à princesa.
– Será?
– Você estuda na São Judas?
– Não. Estudo no Camargo Aranha.

Pronto: descobri a América! Então é de lá que você vem, princesa. Tão perto de mim. Conforme o papo foi rolando eu conheci outros segredos da Monique: ela trabalha de operadora de telemarketing, fez curso técnico de secretariado, mora na minha rua, freqüenta o Kabulando (bar vizinho da São Judas).

É claro que a Monique percebeu que havia interesse no meu papo. Logo que eu cheguei, ela deve ter ouvido o meu pensamento: “Você não é aquela gostosa?”. Coitada. As gostosas devem sofrer muito, admiradas que são.

O ônibus passou e nos levou embora. No ponto perto da minha casa, eu desci; a Monique desce dois pontos depois, logo após a subida, mais ou menos próximo do Bar do Mané, pertinho da escola. Enfim, por alguns minutos a gostosa foi "minha". Amanhã, de quem será? Impossível saber: gostosa não tem dono.