sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Microlembranças do medo

1) “Mãe, tem um soldado no guarda-roupa”, eu disse, atônico. Inconsolável, eu tremia depois de acordar de um sonho ruim; não lembro do pesadelo, mas sim da sensação de medo ao abrir os olhos. Eu tinha (e ainda tenho) a certeza que ali dentro, no meio das roupas e da poeira, um soldado contava os minutos para me matar, para engolir o meu cérebro e sugar todos os sonhos bons.

2) A casa não passava de um cômodo minúsculo. A cozinha, o quarto e a sala se dividiam dentro do mesmo caos; os móveis, antigos, brigavam entre si, lutavam por um pequeno espaço no piso vermelho de cera: a cama estava ao lado da geladeira e o guarda-roupa era vizinho do fogão. O meu medo se confundia com a luz fraca, uma luz que brilhava cansada. Nas paredes, uma tonalidade verde anunciava uma esperança que eu não tinha. Comecei a chorar. Uma largatixa muito pálida caiu em minha perna. Até hoje odeio largatixas.

3) Ouvi um estalo e me enchi de temor...Mais um estrondo cortou o meu ouvido e balançou a casa. E mais um e mais um e mais um... Por cinco segundos houve o silêncio. Um silêncio nascido nas catacumbas do medo. Pensei que acabara a confusão, mas explodiram mais dois tiros. Era a morte, sim: uma morte barulhenta, que não deixava ninguém falar...Devia haver um morto, afinal. Curioso, fui pra rua alguns minutos depois. Lá estava o corpo, caído com seis tiros na cabeça. Ele ainda respirava alto: sugava os últimos ares da vida. Cheguei bem perto, a centímetros do rosto coberto de sangue. Ele não me viu, pois não havia mais nada para ver.

3 comentários:

Jefferson Sato disse...

Tenso esse último. Nunca vi alguém morto, isso deve ser foda.

Fiquei curioso: como alguém com seis tiros na cabeça continua respirando?

Maíra disse...

Lagartixas são bichinhos um tanto... súbitos, eu diria. Surgem sabe-se lá de onde e só tem como função, muitas vezes, atormentar.

Maíra disse...

P.S.: e que me tirassem tudo, mas não os sonhos bons. Ai, a imagem desse soldado é realmente algo terrível.