Não gosto muito do calor: os meus genes não foram desenvolvidos para o clima abafado, muito menos para o tostamento coletivo nas areias de Santos. Então, na segunda-feira, ao me deparar com o vento gelado, senti uma atmosfera boa.
As pessoas ficam mais bonitas no frio, com certeza: as blusas, compradas na última liquidação, saem do armário, as bochechas ficam rosadas, as mãos ganham luvas pretas, os vidros adquirem uma fina camada de gelo e o meu cachorro pode, finalmente, utilizar a roupinha bonita que fizemos para ele no Natal.
A cidade de São Paulo também fica mais bonita durante o inverno. Porém, em nós, habitantes do caos, cresce uma superfície um tanto solitária. É uma solidão dura, estreita...Uma solidão que poderia doer por cem anos, mas logo o vento passa, deixando claro que vivemos em São Paulo e não em Macondo.
Na minha frente, por exemplo, uma senhora de vermelho enxerga alguém que não está aqui, no metrô. Talvez pense em um amor perdido nos anos 80: agora, nesse frio de cortar o coração, ela o reencontra em algum pingo de chuva que cai lá fora.
A solidão também grita no menino-engraxate, que entrou no metrô há pouco. Depois de um longo discurso sobre o seu pai doente, ele pede alguns centavos. Se eu tivesse um hambúrguer agora, eu daria a ele. Não, não, esses lanches são gordurosos. Melhor: eu vou dar os centavos e o garoto escolhe o que prefere comer. Carregando nas costas a solidão e a malinha de engraxate, o garoto se encolhe junto à porta. Vai embora sei lá para onde (prefiro nem pensar nisso, aliás).
Ao meu lado há uma família: a esposa, o marido e os dois filhos (um garotinho e uma menina de uns dois anos). Só descubro o nome da menina: Raquel. Aparentemente, eles vão viajar, pois carregam algumas malas. O garotinho cochila enquanto seus pais discutem. A Raquel se debruça para ver o pinguim que ilustra a página da revista que estou lendo. “Ziiiinguiiiim”, ela grita, satisfeita.
Rapidamente o trem avança, mas o garotinho continua a dormir, solitário. “O sentimento é ruim, o sentimento te derrota”, diz a esposa, olhando fixamente para o marido. Anoto a frase enquanto a Raquel sorri com o Ziiiinguiiiim. Em seguida descemos todos na estação.
Como o frio, a solidão arde em todos nós. Estamos juntos, mas algo nos isola. Alguma barreira distancia os mundos: o muro Berlim já caiu, mas continuo separado da Raquel, do garoto-engraxate, de tudo o que é alheio. Será isso ou é apenas uma sensação? Será o frio ou no calor também fico congelado?
A família vai embora. O marido leva o garotinho nos braços. Com um aceno, a Raquel se despede do Ziiiinguiiiim enquanto a sua mãe, sozinha, canta baixinho: “Mais alto, mais alto, mais profundo”.