domingo, 11 de abril de 2010

O frio e o meu muro de Berlim

Não gosto muito do calor: os meus genes não foram desenvolvidos para o clima abafado, muito menos para o tostamento coletivo nas areias de Santos. Então, na segunda-feira, ao me deparar com o vento gelado, senti uma atmosfera boa.

As pessoas ficam mais bonitas no frio, com certeza: as blusas, compradas na última liquidação, saem do armário, as bochechas ficam rosadas, as mãos ganham luvas pretas, os vidros adquirem uma fina camada de gelo e o meu cachorro pode, finalmente, utilizar a roupinha bonita que fizemos para ele no Natal.

A cidade de São Paulo também fica mais bonita durante o inverno. Porém, em nós, habitantes do caos, cresce uma superfície um tanto solitária. É uma solidão dura, estreita...Uma solidão que poderia doer por cem anos, mas logo o vento passa, deixando claro que vivemos em São Paulo e não em Macondo.

Na minha frente, por exemplo, uma senhora de vermelho enxerga alguém que não está aqui, no metrô. Talvez pense em um amor perdido nos anos 80: agora, nesse frio de cortar o coração, ela o reencontra em algum pingo de chuva que cai lá fora.

A solidão também grita no menino-engraxate, que entrou no metrô há pouco. Depois de um longo discurso sobre o seu pai doente, ele pede alguns centavos. Se eu tivesse um hambúrguer agora, eu daria a ele. Não, não, esses lanches são gordurosos. Melhor: eu vou dar os centavos e o garoto escolhe o que prefere comer. Carregando nas costas a solidão e a malinha de engraxate, o garoto se encolhe junto à porta. Vai embora sei lá para onde (prefiro nem pensar nisso, aliás).

Ao meu lado há uma família: a esposa, o marido e os dois filhos (um garotinho e uma menina de uns dois anos). Só descubro o nome da menina: Raquel. Aparentemente, eles vão viajar, pois carregam algumas malas. O garotinho cochila enquanto seus pais discutem. A Raquel se debruça para ver o pinguim que ilustra a página da revista que estou lendo. “Ziiiinguiiiim”, ela grita, satisfeita.

Rapidamente o trem avança, mas o garotinho continua a dormir, solitário. “O sentimento é ruim, o sentimento te derrota”, diz a esposa, olhando fixamente para o marido. Anoto a frase enquanto a Raquel sorri com o Ziiiinguiiiim. Em seguida descemos todos na estação.

Como o frio, a solidão arde em todos nós. Estamos juntos, mas algo nos isola. Alguma barreira distancia os mundos: o muro Berlim já caiu, mas continuo separado da Raquel, do garoto-engraxate, de tudo o que é alheio. Será isso ou é apenas uma sensação? Será o frio ou no calor também fico congelado?

A família vai embora. O marido leva o garotinho nos braços. Com um aceno, a Raquel se despede do Ziiiinguiiiim enquanto a sua mãe, sozinha, canta baixinho: “Mais alto, mais alto, mais profundo”.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Jornada Fotográfica

Com uma câmera pendurada no pescoço, André Doeuk caminha por uma 25 de Março lotada de ambulantes, crianças e pessoas perdidas. “O que é um fotógrafo?”, pergunta e, olhando para a multidão, responde: “Alguém que tira uma foto, ora”. Ao longo do maior comércio de rua de São Paulo, 31 pessoas acompanham Doeuk na Jornada Fotográfica – projeto que reúne mensalmente dezenas de amantes da fotografia. 

Uma iniciativa de André Douek, a Jornada Fotográfica é gratuita e acontece sempre em algum ponto famoso da capital paulista. Em 13 anos, o projeto já percorreu a rua Augusta, o mercadão da Lapa, a Avenida Paulista, entre outros lugares. Os participantes, sempre munidos de câmeras, se encontram e partem para o local previamente escolhido. 

Dona Elza Martins, 72 anos, é uma das mais animadas do grupo. “Antigamente, eu tirava fotos da família. Desde que conheci a Jornada, adoro fotografar a cidade”, exalta, sorrindo. Com uma câmera digital pequena, registra seu amor por São Paulo. “Sou paulistana e me apaixono a cada dia mais por isso aqui”, diz enquanto se senta para ler um jornal.

“Dona Elza, que foto é essa aí no jornal?”, pergunta Alessandra Oliveira, 20 anos. “Acho que é sobre o metrô”, responde Dona Elza, calmamente. Alessandra, acelerada, puxa uma pequena Kodak e se debruça para fotografar o chão. “Quero ser fotógrafa”, diz, clicando.

Pela primeira vez na Jornada, Alessandra sonha com uma câmera melhor. Quando chegou e viu os outros com um equipamento enorme, ficou com vergonha de abrir a bolsa. “O pessoal é tão legal que ninguém reparou na minha câmera pobrinha”, diz ela. 

Das 31 pessoas que participam da Jornada na rua 25 de Março, apenas quatro não possuem uma câmera profissional. “Isso não quer dizer nada”, contesta André Doeuk. “A câmera aumenta a possibilidade, mas a foto está na pessoa”. Alessandra não acredita no mestre: ainda quer uma máquina melhor. “Sua câmera é pesada, né, André?”, pergunta. 

Às 11 horas da manhã, o sol queima em um céu de brigadeiro. “Gosto de fotografar paisagens,a luz, o céu...”, revela Alessandra. “Prefiro pessoas”, diz Doeuk, que aponta sua objetiva para duas estátuas humanas. “Você vai ver, Alessandra, se começar a frequentar a Jornada, dentro de um ano você vai evoluir muito”, aconselha o experiente fotógrafo: são 40 anos de profissão.

Também são vários os anos de profissão de Nalva Maria, 61. Ela fotografa profissionalmente desde 1983. “Sou cineclubista, aposentada pela Editora Abril, já fiz televisão, exposição...Tira uma foto minha embaixo desse véu?”, pergunta, em frente a uma loja de fantasias. Depois, ela anda até o final da rua 25 de Março, mas tira poucas fotos. “Hoje estou preguiçosa”, diz enquanto desliga sua câmera analógica. “A fotografia mudou o meu destino”, confessa, com os olhos brilhando como flash. 

Ao meio dia, todos se reúnem na estação Sé do metrô. André Doeuk recolhe os filmes e os cartões de memória dos participantes. No mês seguinte, as melhores imagens serão expostas no Arquivo Histórico Municipal, próximo à estação Tiradentes. “Qual é o objetivo? Bom, é registrar o patrimônio da cidade”, diz Doeuk. 

Um dos participantes empresta uma câmera a Doeuk para que ele registre uma imagem. “E agora, o que eu faço, é só apertar o botão?”, pergunta o fotógrafo.

domingo, 4 de abril de 2010

Anúncio de um conselheiro amoroso

Se você foi traído ou se você mesmo traiu, se você tem vontade de gritar com ela, se você quer bater naquele cafajeste sem vergonha, se você perdeu a honra, se você não agüenta mais esperar por uma mensagem, se você quer abraçá-la agora, agora mesmo, nesse segundo que você perdeu sem vê-lo, se você quiser construir seu coração cortado, me procure.

Por favor, me procure se você perdeu a aliança, se você queimou todas as cartas, se você estragou aquela dança, se você nem sabe dançar, se você não liga para ninguém, se você não ligou pra ela ontem à noite, se você esperou que ele aparecesse para te salvar do tédio.

Procure-me no Google se você quiser algum remédio, se foram verdadeiras as suas lágrimas, se você não sabe o que escrever no depoimento, se você não aprendeu a esquecê-la, se você se arrependeu, se não se arrependeu, se dói, se doeu...Me procure, por favor.

Vem, me procure agora se você destruiu seu casamento, se você terminou ou se terminaram com você, se você ama ou se não ama mais, se você sente aquela terrível vontade de chorar, se você quer brigar com a amiga da prima do seu ex-namorado...Se você for embora, se você fugir do mundo e do amor e de tudo o mais, me procure, pois eu também, eu também já me senti como você.