sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Patinação

Na folha branca, um mundo de possibilidades não-concretas, ideias incompletas: a crônica é uma construção do espírito e da mente. Preciso escrever, mas ainda estou incipiente. Sou um texto sem contexto. E o que direi sem nem mesmo conhecer?

Você e as imagens estão nas pontas dos meus dedos, só me faltam as palavras: serão elas doces ou amargas? Grandes ou pequenas? Desfeitas ou enfeitadas? Que nada, minha crônica não sairá do lugar, pois eu continuo parado – inerte em um mundo de espera.

Ah, quem me dera escrever algo bonito sobre você, garota. Mas, no final, deslizo e sonho em círculos, patino na pior das pistas: eu.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Augusta e Mariana

Apesar de estreita como uma artéria, a rua Augusta tem um grande comprimento. Sua amplitude alcança extremos da cidade: do centro velho aos Jardins, do coração abandonado à amante de ocasião, do fino ouro à miséria do mendigo que me implora dez centavos.

À noite, ando pela Augusta e me apaixono pelas miudezas: acontecimentos menores, minúsculos, que causam aqui, em mim, explosões da alma. São pequenas frações do minuto...menos, menos: ínfimos segundos que revelam o sabor imensurável da condição humana.

Em um bar, por exemplo, dois homens jogam bilhar. Estão contentes por se acharem ali, alcoolizados de liberdade, e não juntos às esposas, que dormem em casa, provavelmente. Os dois homens riem, alegres, como se esse fosse o último riso – uma bola caída no buraco, um objeto-sentimento que nunca mais voltará à mesa.

Mais acima, na esquina, duas garotas dormem escoradas em uma porta de ferro. Estão ancorada uma à outra: assim se sentem seguras, imagino. Seus rostos transmitem serenidade, transcendência ou, talvez, uma bebedeira. Para elas, descansar em uma rua de perigos não significa nada, pois uma tem a outra, eternamente enquanto durar o sono.

Um amigo meu, o Renato, também está por aqui, na Augusta. Ele sobe a rua em direção à Paulista. Anda rápido, e parece fugir de algo. Está acompanhado da namorada, a Érica. Enquanto caminham, os dois discutem: ela grita, ele grita, ela chora, ele vira as costas, ela chora mais, ele retorna, eles se beijam e se amam novamente. O amor é claustrofóbico, sinto.

Mais alguns passos me levam a um grupo de pessoas. Nada melhor que estranhos para eu me descobrir melhor, penso. Com desconhecidos, atinjo o maior nível de sinceridade. Os estranhos são três garotas e um casal, que, como todo casal, não enxerga o resto do mundo.

Uma das garotas vomita o álcool da noite. Patrícia é o seu nome. Tento consolá-la com palavras doces, mas a bebida é mais amarga. Grito, pois ela está no outro mundo e não me ouve. Depois de jogar fora as impurezas, a Patrícia encosta a cabeça nos meus ombros e dorme o sono dos bons.

A outra garota se chama Bruna. É morena, alta e alegre. Fala bastante, talvez por ter bastante a falar. Parece-me meio inquieta, cheia de vontade de ir embora. Mas, de repente, ela me surpreende: quer beber mais uma tequila! Com o desânimo dos outros, ela desiste. Toca o telefone: é a sua mãe.

Por último, a Mariana, que deveria ser a primeira, pois foi com ela que puxei conversa. A Mariana tem um sorriso lindo, encantador...Seus cabelos, castanhos, voam com o vento forte da Augusta. Ela fala rápido e meio enrolado (ou talvez meus ouvidos que sejam lerdos demais). Me chama de amigo, como se nos conhecêssemos há alguns anos.

Peço dois reais emprestados pra ela, pois perdi o meu dinheiro e os meus amigos, que já foram embora. Preciso pagar a passagem de volta. Ela procura nos bolsos duas moedas de um real. “Muito obrigado”, digo.

No alto de um prédio um relógio marca cinco da manhã. Penso na noite: quantas coisas, situações, pessoas! Que demais. Mas vou embora, tudo bem? Até mais! Eu ficaria por aqui, sim, para sempre sentado na calçada...eterno enquanto durar o meu encanto: eu, a Augusta e a Mariana.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Impressão: Leandro

Felizmente, não nasci perfeito: meus olhos não são verdes nem azuis; minha cabeça é grande e meu corpo é pequeno; não tenho grandes músculos; minhas pernas são finas e meus dedos, grandes; eu tenho orelhas enormes e meu cabelo é enrolado; me enrolo com as garotas e me perco em desamores.

Mordo o dedo quando estou ansioso; anseio coisas que não posso ter; tenho medo de dormir sozinho em casa; já chorei em eventos esportivos, como as Olimpíadas; às vezes amo clichês, como esse texto, por exemplo; adoro achar erros gramaticais em textos alheios e odeio quando os acham nos meus; sou arrogante, egocêntrico e idiota.

Desconfio dos mendigos que me pedem dinheiro, mas digo que simpatizo com eles; já fui comunista, capitalista e neoliberal; votei nulo nas últimas eleições; acredito na liberdade, mas me prendo em muitas coisas...muitas mesmo; quero fugir, sair por aí, andar pelo mundo...mas quando vou à praia sinto muita saudade da minha mãe.

Falo sobre qualquer assunto nos três primeiros minutos da conversa, mas passo boa parte do tempo pedindo desculpas; sou culpado pelo desaparecimento da minha cachorra, pois deixei o portão aberto e ela foi embora; nunca desabafei com ninguém; acho que escrevo bem e depois acho que escrevo mal.

Acredito no amor, mas de verdade nunca amei alguém; chorei diversas vezes por uma garota, mas não senti nada quando ela chorou por mim; relembro o passado pra esquecer o presente; o futuro, ah!, eu nem penso; ontem me apaixonei pela Mariana, anteontem, pela Camila, no domingo, não lembro.

Sou assim mesmo: falo muito de mim, mas no fundo não sei nada. Sou uma sensação, uma impressão qualquer. Talvez amanhã eu mude de novo, entendeu?