sábado, 24 de maio de 2008

Crônica de um amor futuro

Ela, a menina, nunca amou ninguém. Nenhum garoto de sua escola nem de seu bairro nem de seu país nem de todos os lugares que Deus inventou só para que ela, a menina, dissesse: “Não há no universo um garoto que me faça amar”.

A menina já havia provado de todas as paixões da adolescência: as possíveis, as contrariadas, as infelizes, as grudentas, as paixões de muro e portão. Até aquela, a escondida, a menina já tentara. Mas nada de amar: era só degustação.

A menina então procurou ajuda: perguntou ao seu pai, mãe, tia, avó, o moço que vendia alianças na porta do seu trabalho; perguntou aos deuses, aos orixás, aos pais e mães de todos os santos que ela, a menina, rezava na igreja. “Onde posso encontrar o garoto que me faça amar?”

Até pouco tempo atrás ela ainda continuava procurando. Já vasculhou todos os lugares do mundo: os corredores de sua escola, tubos de ventilação, elevadores, terrenos baldios, salas de bate-papos e páginas do orkut, debaixo de mesas, sofás e cortinas; procurou em músicas, filmes, novelas, papeis de parede e corações de chocolate.

“Onde está ele, meu Deus?”, pergunta ela. Então Deus respondeu: “Você vai encontrá-lo, é só parar de procurar”

A menina parou de vasculhar todos os lugares possíveis e imagináveis. Seu amor vai aparecer sem mais nem menos, em qualquer lugar, em qualquer momento: na praça, na rua, no ponto de ônibus, em dias de sol ou chuva, em terremotos ou filas de banco, numa foto ou poema de jornal.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

O meu novo amigo Omar

O Omar tem quatro anos. Não é três nem cinco: é quatro! – ele gosta de exaltar. O Omar é espanhol, nascido em Madrid; mudou-se para São Paulo há três meses por conta de um novo trabalho de seu pai, que é médico.

Eis o fato: estava eu sentado em um banquinho no horário do lanche, no trabalho. O Omar brincava com algumas pedras que havia no lugar. Sabe-se lá por que algo na minha pessoa lhe chamou a atenção. Começamos a conversar.

– Você tá gostando do Brasil, Omar?
– Não vi muita coisa ainda. Mas não gostei.
– Por que não?
– Os prédios daqui são muito pequenos.
– E os de lá são maiores, né?
– Muito, muito maiores. Bem assim, ó?

E demonstra com suas pequeninas mãos os gigantescos prédios espanhóis.

Você trabalha aqui? – pergunta ele.
– Sim, lááá no último andar, consegue ver?

Ele se entorta todo para enxergar o último dos dez andares do prédio onde eu trabalho.

– E como você chega lá?
– Pelos elevadores.
– Ah, sim. Sei o que são. Quero ir lá onde você trabalha.
– Eu te levo qualquer dia, ok?

Eu tava bebendo um mate com limão neste momento. Não é a melhor bebida para uma criança de quatro anos, mas ele também provou. Não curtiu muito.

– E você gosta de futebol, Omar?
– Não. Gosto de bicicleta. Mas não tá aqui. Ficou na Espanha.
– Você tem que torcer pra algum time. Aqui é o país do futebol.
– Sim, sim. Mas prefiro bicicleta.

O papo seguiu durante uns dez minutos: aqueles minutos que você lembrará para sempre, saca? Poderia parecer que eu e o Omar éramos amigos há muito tempo. Não muito tempo, afinal, ele só tem quatro aninhos. Nem três nem cinco: quatro aninhos! Nos demos bem.

Você deve estar pensando: “se ele é espanhol, por que, diabos, fala português? Ele não fala português, eu apenas traduzi aqui no texto.


– Você já foi pra escola aqui no Brasil, Omar?
– Ah, sim. Fui. Não gostei.
– Ué, não fez amigos?
­– Deixa eu ver...fiz cinco amigos!
– Olha só, que legal.

O horário do meu lance acabou: eu precisava me despedir do Omar.

– Omar, eu preciso ir, senão minha chefe vai brigar.
– Viiiiixi. Tá bom. Somos amigos então?
– Claro, Omar.
– Você é legal, entende o que eu falo!

Provavelmente nunca mais verei o Omar. Ou talvez até veja, mas quando ele já for grande, não terá mais o sotaque espanhol; quem sabe nem se lembre como se fala prédio na sua língua natal. Ou talvez nem se lembre destes dez minutinhos que passou com um desconhecido.

Para você pode parecer idiotice tudo isso que eu contei; mas, juro, conversar com esse espanholzinho de quatro anos foi o melhor momento do meu dia.