domingo, 28 de dezembro de 2008

2008: sim, esse terminou

Ainda não aconteceu, mas tenho certeza que até o dia 31 alguém gritará: “2008 passou rápido, não?”. Desculpe, eu não achei. O ano passou da maneira como deveria: igual a todos os anteriores e, provavelmente, parecidíssimo com os que estão por vir.

Janeiro, por exemplo, foi igualzinho: chuvas, enchentes, calor, tédio e Big Brother Brasil. Será assim no próximo também, duvida? O primeiro mês do ano continuou com 31 dias, com 24 horas cada um. Fevereiro teve um dia a mais, é verdade. Ou seja, 2008 durou além do normal.

Aliás, os primeiros meses do ano são sempre esquecidos no final. Eu não lembro de nada tão importante, pra falar a verdade. É claro que vivemos tragédias, crimes bárbaros, essas coisas; mas nós, brasileiros, nos acostumamos entre uma tragédia e outra. O que seria do Brasil sem casos de Isabelas e Eloás, sem contar quedas de avião (esse ano não teve nenhuma, ufa!), seqüestros de gente famosa, corrupção? Apesar de eu gostar daqui, viu? E tenho orgulho.

2008 foi diferente também pelo número de datas comemorativas. Só para citar algumas que me vêm à mente: 200 anos da vinda de D. João VI ao Brasil, 100 anos do início da imigração japonesa, 100 da morte de Machado de Assis, 40 do aclamado 1968 e do AI-5, 100 anos de Cartola, 50 anos da bossa nova.

Fico pensando no que vamos comemorar daqui a alguns anos, como nos lembraremos de 2008? Sinceramente eu não sei. Foi totalmente normal para mim, com algumas pedras no meio do caminho, é claro, mas nada que não se resolva. Coisas boas também, muitos amigos e pessoas generosas. Consegui um emprego! Tive um dinheirinho só meu.

Enfim. Aliás, taí uma palavra que viciei em 2008: enfim. Todo texto meu tem um ‘enfim’, já reparou? “Aliás” também! “Apesar”! Outra palavra que vicei foi “adeus”. Não sei por que, mas ela me parece tão bonita. Adeus. A Deus. Há Deus.

Tanta besteira me deixou confuso. O ano acabou e eu não sei como terminar o texto. Vai assim mesmo: Feliz 2009!

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

"Um dia as pedras se encontram"

Odeio despedidas. Aliás, alguém gosta? Tudo bem que existe aquele sentimento de perda e tristeza que o meu coração mórbido e masoquista aprecia, porque, além de tudo e de outras coisas, eu, você e todos nós, gostamos de sofrer um pouco.

Mas se despedir é um porre. E se for permanente, ou seja, se você nunca mais vai ver a pessoa, é duas vezes ruim. Você relembra todos aqueles momentos que passaram juntos, todas as discussões, as brigas, os beijos e abraços etc. E o pior é que, agora, no calor (ou no frio) do adeus, esses momentos até parecem bons, alegres, deixam a sensação de dever cumprido, de experiência vivida, de “tivemos que passar por isso, não é?”.

O coração aperta, são trocadas as últimas palavras, os últimos olhares, as últimas obrigações burocráticas. Ah, se sobrasse mais um tempinho pra conversar, eu diria que sentirei sua falta, que adorei reclamar com você, falar mal dos outros, enfim, ser estagiário com você. Mas o mundo não é feito de “se”; o mundo é composto de salas quadradas com computadores sem coração.

E, infelizmente, no final a gente sempre diz, com lágrimas nos olhos: “Ah, um dia eu passo por aqui, a gente marca alguma coisa”. Mas ambos sabem que isso não vai acontecer. Nunca acontece. As histórias precisam de um ponto final, não de reticências...

Enfim, o fim está chegando, não há mais palavras. Vamos embora e nunca mais nos veremos...As músicas tocam nas caixas lá em cima, músicas que sempre consideramos chatas, mas que agora até parecem legais, emocionantes...Através da janela, nós vemos os prédios e a chuva, como em todas as despedidas.

domingo, 14 de dezembro de 2008

O bêbado e a perna esquerda

A enfermeira passou por ele* com uma cara de piedade no rosto. Era a mesma expressão de pena e compaixão que ela lançou a todos os enfermos do Hospital São Marcos, em Ferraz de Vasconcelos. Era o fim para ele, pelo menos para uma parte dele. A última cena de um espetáculo que ninguém viu. E se houve espectadores, eles se retiraram antes do segundo ato.

Ninguém foi visitá-lo no hospital: nenhum dos seis filhos que teve, nenhuma das duas ex-esposas, dos muitos parentes, dos poucos amigos. Ninguém. Todos se afastaram quando perceberam que as farras não teriam fim e as bebedeiras continuariam eternamente. “Você acha que alguém gosta de bêbados?”, questiona. “Bêbados são inconvenientes, cheiram mal, falam verdades às pessoas. E esse povo não gosta dessas coisas, principalmente das verdades”, filosofa.

Diagnosticado com trombose na perna esquerda, ele deveria amputá-la. “Eu não sei o que aconteceu, me disseram ‘você vai ter de tirar a perna’, eu disse ‘tudo bem, que dia?’”. Quatro semanas depois, lá estava ele deitado na desconfortável maca, esperando a operação.

Os médicos entraram na sala, diferentes que são de suas ajudantes. “Médico não tem sentimento”, diz. “Eles me olham como um idiota que resolveu ficar doente por falta do que fazer”. Mais um doente, mais uma operação, mais tempo perdido. “Às vezes eu tenho a impressão que eles nos liberam do hospital só para morrermos em casa, sabe?”, completa.

Os dois homens de branco se aproximaram, com os instrumentos nas mãos. “Agora tudo está perdido”, pensou na hora. Era a última vez que ele veria sua perna esquerda. Dali a poucos minutos, seria alcançado pelo sono devastador da anestesia. Em poucas horas, sua perna não estaria mais lá, ela o deixaria para sempre: um pedaço morto separando-se de um corpo ainda vivo. “Foi o preço de uma vida do caralho”, diz.

Quando acordou, ele ainda a sentiu. Eles desistiram? Se deram conta da importância do membro para o homem? “Eu senti como se minha perna ainda estivesse lá”, disse. Mas não estava. Fora embora para algum lugar onde se guardam as pernas amputadas. “Imagino lugares onde eles escondem essas coisas, pernas, braços, mãos, pés”. O Campo dos Desmembrados? “É, talvez, mas gosto mais de A Terra dos Membros Perdidos”.

Não deve ser fácil perder uma parte do corpo em uma cidade com as limitações físicas de São Paulo, que em poucos lugares pode ser chamada de acessível. “É complicado realmente, ainda mais quando você joga futebol”, explica. “Agora vou ter que virar goleiro”. E vai parar de beber? “Eu não, pra quê? Já perdi uma perna, estou ficando velho e a bebida é a única coisa que me deixa feliz”.



* resolvemos ocultar o nome para evitar problemas lá na rua.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A gostosa e eu

Confesso que eu já havia perdido a esperança de encontrar algum assunto merecedor de uma crônica para este blog vil até que, hoje, esperando o ônibus, aconteceu um fato digno dos melhores folhetins globais, me deixando a nítida sensação de estranheza com a pequenez do mundo em que vivemos.

Primeiro, cabe uma volta ao passado: em algum dia deste ano, Sato, Daniel e eu voltávamos da faculdade pela Rua Bresser quando, sem mais nem menos, uma gostosa nos roubou o olhar. E que gostosa! Merece até o adjetivo gostosíssima (que é para poucas). Como diz Antonio Prata, uma gostosa é um acontecimento literário. Concordo. Ficamos, como sempre, com a gostosa na cabeça; quero dizer, no pensamento (para não gerar interpretações alternativas).

Então, eis que hoje, alguns meses (e quilômetros) depois, eu encontro a gostosa no mesmo ponto de ônibus onde todos os dias espero impacientemente o meu coletivo. E para deixar a história mais novelesca ainda: ela estava conversando com a minha amiga de ônibus-comum Rita, premiada vendedora da Avon.

É claro que eu fui puxar conversa. Afinal, sou amigo da Rita, poxa. Foi aí que eu conheci a gostosa. Monique é o nome dela. Particularmente, eu sempre achei Monique um nome lindo, digno de princesas francesas do século XVIII, mais ou menos.

– Eu já não te vi em algum lugar? – perguntei à princesa.
– Será?
– Você estuda na São Judas?
– Não. Estudo no Camargo Aranha.

Pronto: descobri a América! Então é de lá que você vem, princesa. Tão perto de mim. Conforme o papo foi rolando eu conheci outros segredos da Monique: ela trabalha de operadora de telemarketing, fez curso técnico de secretariado, mora na minha rua, freqüenta o Kabulando (bar vizinho da São Judas).

É claro que a Monique percebeu que havia interesse no meu papo. Logo que eu cheguei, ela deve ter ouvido o meu pensamento: “Você não é aquela gostosa?”. Coitada. As gostosas devem sofrer muito, admiradas que são.

O ônibus passou e nos levou embora. No ponto perto da minha casa, eu desci; a Monique desce dois pontos depois, logo após a subida, mais ou menos próximo do Bar do Mané, pertinho da escola. Enfim, por alguns minutos a gostosa foi "minha". Amanhã, de quem será? Impossível saber: gostosa não tem dono.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Conversando com um caro amigo

– E aí, meu caro, é agora ou nunca.
– Então será nunca. E a coragem?
– Ah, sei como é. Também tenho vergonha.
– Mas e a outra?
– Está longe.
– Você quer isso mesmo?
– Não, mas ela não me deixa outra escolha.
– Claro que não. Meu, como você consegue fazer isso?
– Eu não sei.
– Depois você vai sair daqui, pensar, e vai dizer o mesmo de sempre: ‘eu sou um merda’.
– Pois é. Mas não posso me livrar dela, você sabe. Eu a amo mais que tudo.
– Ama nada... eu me livrei da minha. Você pode fazer o mesmo.
– Como?
– Não sei explicar.
– Somos iguais, não é? Sobre tudo isso que fazem com a gente...somos iguais.


Olhamos para o lado, disfarçando a angústia. E vamos lá novamente, meu amigo: drogados do mundo, embriagados de culpa, bêbados de nós mesmos.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Notas de um zoológico

Cão sobrevivente fica dentro de pára-choque após colisão a 110 km/h; Filhote de tigre recebe transfusão de sangue após agressão na Índia; Cão é levado ao veterinário após ter boca colada na Inglaterra; Peixes usam consenso para escolher líderes, diz pesquisa; Pit bull dá marcha a ré em carro e pega estrada nos EUA; Bototerapia usa poder curativo do boto-cor-de-rosa; Sósia de gato de ‘Cemitério Maldito’ volta para casa após 13 anos; Com cérebro de semente de gergelim, abelha conta só até quatro; Viúvo e bom partido, único gorila da Índia busca namorada; Com socos e chutes, mulher enfrenta veado para salvar poodle; Aranha que poupa marido e come paquera tem mais filhos; Cães feridos em combate ganham hospital de US$ 15 mi nos EUA; Égua curiosa é resgatada de árvore; De origem russa, gato ganha título de melhor dos EUA; Peixes siameses dividem tarefas em aquário na Tailândia; Urso entra em lanchonete, olha ingredientes e desiste de comer no Canadá...


...e o burro do Leandro leu tudo isso.

domingo, 16 de novembro de 2008

Eu escolho o filme?

Eu me senti o maior dos homens no dia em que fui ao cinema pela primeira vez na vida, mais ou menos em 1994, quando ainda havia esperança.

– Qual filme você quer ver? – perguntou-me o rapaz da bilheteria.
– Power Rangers! – eu disse, todo entusiasmado.
– Tudo bem.

O rapaz me entregou o ingresso e nós, mamãe e eu, entramos naquela sala escura, onde os monstros mais terríveis do universo se escondiam para cochilar nos momentos de folga.

Sentamos na confortável poltrona, mamãe buscou a pipoca e a Sukita (ainda existe?). Esperamos uns minutinhos e a exibição começou. Para a minha total surpresa, era Power Rangers mesmo, o filme que eu pedi.

– Como assim? A gente escolhe o filme que vai ver no cinema? – eu perguntei para mamãe, em silêncio, afinal, não queria atrapalhar as outras três pessoas que estavam na sala.

O mundo ganhou outro sentido para mim depois daquele dia: eu posso escolher o filme no cinema! Isso é demais. Até aquele momento, eu tinha certeza que éramos obrigados a assistir ao filme que o moço queria. Ele é o dono, ele decide. Quem somos nós para ditar alguma coisa?

– Vocês vão ver Nosferatu! – eu imaginava o moço dizendo, cheio de sangue nos dentes. E nós ali, quietinhos no canto, aceitávamos de bom grado.
– Sim, senhor.

Hoje eu sei que não é bem assim. Estamos num país democrático, temos sim o direito de escolha sobre vários assuntos de nossas vidas: o filme, a namorada, o papel de parede do computador, a cor e o tipo da cueca, a marca do tênis, a hora que vamos ao banheiro, entre outras coisas menos importantes.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sem título

Um dia eu pretendo escrever tudo o que vier na minha cabeça sem me preocupar com vírgulas acentos e pontos de exclamação nem com bobagens de amor e de garotas que passam por mim porque eu não gosto delas realmente apesar de amar escrever sobre elas e imaginar o dia em que vão ler e eu odeio escrever releases chatos de artistas chatos que vem lá do Rio de Janeiro para fazer show aqui em São Paulo só para me aborrecer e odeio escrever coisas chatas e notícias chatas pois eu quero mesmo é ser cronista e poder falar de qualquer coisa que eu quiser e do jeito que eu quiser sem me preocupar com lead e pirâmide invertida e diagramação e todas essas porcarias de regras do jornalismo ah e se eu pudesse também acabaria com essa besteira de economia pelo resto da minha vida e não faria contas chatas para provas chatas que não levam ninguém a lugar nenhum e não me preocuparia com o texto de cibercultura que tanto me deixou chato hoje porque eu não entendi nada pois as palavras são difíceis e as metáforas também e amanhã tem prova.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Mariana cheia de tudo

A Mariana não gosta de: palavras cruzadas, arte presunçosa, textura do bolo de chocolate, shows de blues, roupas pretas, aquecedores elétricos, uva verde, música alta, palestras sobre semiótica, peças de teatro para idosos, cebola na esfiha de carne, rock pesado, andar rápido, calças apertadas, tênis caros, fones de ouvido, aliança de compromisso, trabalhar no Sesc, livros em espanhol, filmes argentinos, homens que rebolam demais, desculpas esfarrapadas, freses sem sentido, dormir às oito da noite, televisão aos domingos e nuvens de verdade.


A Mariana realmente gosta de: carne seca, música instrumental, tocar piano, salada de brócolis com acelga, dança nas noites de sábado, palestras sobre teatro, filmes italianos, filmes espanhóis, mochilas, filmes brasileiros, pirulito depois do almoço, dormir à tarde, namorar no banquinho da praça, xingar os chefes, estudar partituras, conversar sobre a eficiência dos elevadores, chinelos, cheiro de chuva, vestidos floridos, jogar futebol, cantar Nara Leão, imaginar besteiras, melancia com arroz, me encorajar a escrever mais.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Musa

Vejo-te em texto, em sílabas ao vento, em doces palavras, em tortas rimas. Imagino-te um poema, uma carta de amor, uma letra de música, um conto peregrino, um romance passageiro em limpas páginas. Não te desejo: só te quero em meu teclado, em minha tela, em pensamento, em devaneios sem sentido. Não te anseio croncreta, só projeto, construção, impossibilidade. Não te espero verdadeira, mas sim inverdade absoluta, um sonho, uma utopia, um não, um talvez, um final mal entendido.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A sonolência sem fim

Tenho certeza que se algum desses cientistas me examinassem um dia descobririam o segredo da minha vida no primeiro olhar mais apurado:

– O seu sono não é deste mundo, Leandro. – me diria um deles.

Eu, meio cabisbaixo, teria que concordar: sim, problemas com o dormir realmente fazem parte da minha vida. Não é nada de apnéia, insônia, sonambulismo, essas coisas meio classe média, saca? A minha dificuldade é de peão mesmo! É ter sono demais! Mais que demais, é quase insuportável.

Chego a pensar que eu, sujeito menor, posso alcançar a maior glória do universo: ser o primeiro homem a morrer de sono. Isso mesmo: vou chegar ao limite da sonolência e, ao invés de dormir por ali mesmo, meu espírito abandonará o corpo vil para ir morar ao lado de Deus, quem sabe, lá atrás das montanhas.

A coisa é tão séria, meu caro, que os métodos anti-sono não têm mais efeitos sobre mim. Café, remédios, energéticos, ervas indígenas, entre outros, não funcionam. Pelo contrário, tenho a impressão que eles pioram a situação. Deve ser psicológico, só pode.

Enquanto escrevo este texto, imagino por alguns segundos a minha cama, ali, tão linda, tão macia, tão perfeita. Ela está me esperando, me chamando; venha, Leandro, durma, durma, descanse este coração infeliz...Não, agora não posso, tenho que terminar a crônica.

Enfim, dormir dez, doze, treze horas também não ajuda. Quanto mais eu durmo, mais sono eu tenho. E isso não é privilégio meu; já coletei depoimentos de pessoas que passam por esse empecilho também. Talvez seja um mal da sociedade contemporânea, da modernidade, dos meios de comunicação, da semiótica aplicada, do fim do comunismo, essas coisas.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O misterioso bichinho da lâmpada

Exatamente neste minuto em que escrevo, na terça-feira à noite, chego a seguinte constatação bombástica: a população de “bichinhos da lâmpada” aumentou consideravelmente nos últimos anos.

Eu os chamo assim, “bichinhos da lâmpada”, na falta de um nome melhor ou científico, pois, como você deve saber, não sou biólogo e nem pretendo ser tão logo, já que não possuo nenhum talento para o ramo – e também pelo fato do terrível medo que sinto de um certo animal chamado “lacraia”.

Mas voltando aos adoradores da lâmpada, eu não os entendo: é só fazer um calorzinho em São Paulo e eles aparecem aos montes. Estou olhando para uma lâmpada neste instante e posso ver centenas voando alegremente, um vôo meio kamikaze, meio esquadrilha da fumaça, saca?

Outra questão me aflige: por que eles só aparecem em dias quentes? No frio, ninguém os vê. Talvez por estarem escondidos, sei lá, se reproduzindo prazerosamente para a guerra santa que travam contra a raça humana a cada triste verão. Na verdade, guerra mesmo não tem, já que eles ficam lá em cima sem atrapalhar ninguém.

E não é que eu tenha algo contra eles, pelo contrário: simpatizo! O que me inveja profundamente é aquele vôo suicida. Fico pensando como eles não se chocam, não batem de cabeça com um companheiro de lâmpada, não morrem por escolherem um caminho errado, uma rota mal planejada.

E nas asas, já reparou? Não são normais: elas se movem de forma diferente dos outros insetos voadores. Aliás, o bichinho da lâmpada faz algum som quando está no ar? Eu nunca ouvi. Espero que não seja igual ao do temível pernilongo, meu algoz em dias calorentos.

O bichinho da lâmpada é tão misterioso que nem um final digno eu tenho para o texto sobre ele. O que resta mesmo observá-lo cortar o ar com as suas asinhas de helicóptero e sonhar meu dia melhor amanhã, meio kamikaze, meio esquadrilha da fumaça, saca?

domingo, 12 de outubro de 2008

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Do livro e outros demônios

Sempre tive curiosidade para saber o que as pessoas estão lendo. Faço de tudo para descobrir: entorto o pescoço, olho de lado, disfarço, tento de novo, procuro outra vez, enfim, desejo furiosamente conhecer qual é o livro que o rapaz moreno na minha frente está segurando.

– Será um Gabriel García Márquez? – eu penso, esperançoso. Talvez. Ele tem jeito que curte o Gabo, sei lá: está vestindo uma camisa vermelha, e isso é um forte indício. Cem anos de solidão ou Crônica de uma morte anunciada?

E se for um livro novo, um lançamento? E agora, cara? Eu preciso saber qual é! O rapaz moreno conhece um livro do García Márquez que nem em sonho eu supunha existir. O que é isso? Lançam coisas novas e nem avisam a parte pobre da população?!

Espera aí, talvez não seja novo. Talvez seja um daqueles raros, sabe? Que você não encontra nem nos sebos da Rua Augusta. É, realmente... se for assim tudo bem, não ligo; o cara conseguiu uma proeza: encontrou uma raridade e agora está exibindo a nós, meros mortais que andam de metrô. Parabéns!

Eu quero pelo menos saber o nome do livro para comprá-lo com as moedinhas do meu cofre, mas o cara moreno não me mostra. Ele que é feliz: lê obras raras do Gabriel García Márquez, deve ter uma namorada bonita, um belo emprego, almoça em restaurantes legais, toma banho quentinho, enfim, uma vida normal. Enquanto eu, sujeito menor, tento de todas as formas descobrir o título do tal livro. Vida injusta.

A minha estação está chegando. O metrô vai parar e, infelizmente, não descobrirei qual é o título da obra rara. Tudo bem, meu amigo, a vida é assim. Talvez nem seja Gabriel García Márquez mesmo. O cara moreno deve ter preocupações maiores. Talvez ele esteja lendo algo da advocacia, da medicina, da cura do câncer, coisa importante, saca?

Agora vou dormir tranqüilo: não lançaram nenhuma obra nova do Gabo, nem encontraram uma raridade. Ah, que felicidade. Posso até continuar meus textos idiotas.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Quem é você, Leandro?

Enquanto a cidade vira um lixão de santinhos, nós votamos em Sergio Malandro, Dinei da Fiel e Netinho de Paula. Que merda, cara; realmente me senti constrangido quando saí de casa para votar.

Que porcaria era aquela? Papel e lama, tudo misturado! Eu vou votar num cara que suja a minha cidade? Que polui nossos ouvidos com jingles em altos volumes? Quantas toneladas de papel? Com quantas árvores se faz uma eleição?

Isso tudo me lembrou a cena do filme “O Jardineiro Fiel”, quando os africanos matam o cara sem nem saber o motivo. Simplesmente matam, porque os mandam matar. Era só mais um. Assim como entregamos santinhos como se fosse só mais um. É apenas algumas toneladas de lixo na rua.

O que nós fazemos? Nada! Continuamos e continuaremos achando que está tudo bem. O emprego aumentou, a renda também, arranjamos um trabalho de 700 reais e compramos a porcaria do tênis da moda! Jogamos tudo no chão e bebemos a última cerveja para mentirmos a nós mesmos. Que raiva! Nada funciona nessa merda! É tudo pela metade.

Somos um país de motoboys, operadores de telemarketing e entregadores de santinhos por 30 reais ao dia. Somos jovens incompletos, vivemos o passado de nossos pais. É para isso que nascemos? Que geração é a nossa, cara? Seremos lembrados pelo quê?

Cansei dos anos 60, não agüento mais os 80. Porcaria de ditadura, Diretas Já, passeatas, guerrilha, caras pintadas, tortura, Collor e Médice! Nada disso funciona mais comigo! E nós, meu amigo, e nós? O que fizemos? Pelo quê lutamos? Mudamos o quê? Que angústia é essa?

sábado, 4 de outubro de 2008

A equação da infinita saudade

Eu tive certeza que me tornei um nostálgico quando, na sexta-feira, experimentei a mostarda de uma dessas lanchonetes da Zona Sul.

– Que bela mostarda vocês têm aqui, hein?! – me deu vontade de dizer, ironizando.

Antigamente, a mostarda era saborosa, azedinha. Hoje, não: ela está mais doce que o brigadeiro feito pela minha mãe aos domingos. Não só a mostarda mudou, o ketchup também, a vida.

Eu sei que com dezenove anos é difícil sentir saudade de alguma coisa. Muitos dirão que é a melhor fase e tal, e eu concordo. Mas sinto falta, sim! Ninguém pode me tirar esse direito!Afinal estamos num país democrático. Ou não?

As coisas mudaram, meu amigo. O mundo não tem mais a graça de alguns anos atrás. As escadas mudaram de lugar, não batemos mais figurinhas, nada de futebol na rua sem saída! E as traves de madeira, cadê elas?

O fanatismo pelo maior time do mundo ainda existe? Não, com certeza. Bom o tempo em que a preocupação era perder todos os tazos na esquina. Esconde-esconde na esquina. Ah, lá vem o Seu Pascoal trancar o portão. Onde se esconder agora, meu amigo? Se for na Dona Ana, ela solta os cachorros. E os meus cachorros? A Princesa, a Grampola, o Pequenino?

Cem gramas de pururuca, por favor! Fogueira em dias de frio. Aliás, ainda existe frio em São Paulo? Chegar molhado de chuva em casa. O que é isso, meu filho, por que tão ensopado? Sopa à noite, hambúrguer à tarde, refrigerante de manhã. E amanhã, futebol ou matemática, professora?

E lá vem o Leandro pela esquerda, passa pela equação, dribla o gráfico, deixa no solo a divisão, mas perde a bola para o incógnito amor ao quadrado da Bruna, da Talita, da Jéssica... Que pena! Perdeu todo aquele jeito sem vergonha. Mas que vergonha, nem brincar você sabe mais, meu Deus.

Se me resta mesmo Deus. Adeus, tempo nenhum. Adeus, passado. Adeus, leitor. Ainda há algum?

domingo, 28 de setembro de 2008

Aos meus amores partidos

Eu seria o mais tranqüilo dos homens se você olhasse para mim: dormiria com o som de bossas e, no raiar do sol, mais ou menos na hora que meus sonhos chegam perto dos seus, eu acordaria dando bom dia ao rádio relógio, que tanto me deprime em manhãs normais. Se me quisesses, eu lembraria de ti em todos os momentos do dia: no caminho, na escola, em tardes ensolaradas e tristes; veria seu rosto em todos os espelhos do mundo, em todos os vidros de carro, nos pensamentos partidos, nas janelas quebradas, em ventos perdidos. Para falar com você eu seria Chico, Vinicius, Drummond e o maior dos poetas menores que eu encontrasse em bares sem coração. Ah, garota, se fosses louca por mim, chorinhos e poemas nas páginas eu faria, cheios de fiéis amores e palavras criadas. E se um dia brigássemos, eu daria uma volta no mundo em oitenta segundos, só para encontrar a melhor das desculpas por te odiar naquele instante banal. Ah, menina, goste de mim, olhe pra mim, me deixe feliz, me faça normal, que eu canto uma música, recito um poema, faço um desenho, resolvo os problemas e reinvento as estrelas. Se você olhasse para mim, meu amor, eu rimaria palavras cruzadas, objetos diretos e periódicas tabelas; faria dos metais não-metais. Quem sabe um dia, garota, você perceba a minha presença e, diante de ti, eu perca o medo e me transforme em mim mesmo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O meu problema com apelidos

Eu tive certeza que o mundo está perdido quando a loira na minha frente pronunciou a seguinte frase catastrófica ao celular: “Você já conversou com a Jessiquinha?”

Sim, nós, pessoas medianas, equilibradas e com um senso de inteligência para apelidos, sabemos que nenhum ser humano que se preze pode ser chamado de “Jessiquinha”. Fico imaginando como será vida dela. Talvez seja operadora de telemarketing de produtos da Telefônica.

– Jessiquinha, boa tarde – ela me diz.
– Me desculpe, não falo com pessoas com este apelido – eu retruco.

Ou talvez a Jessiquinha venda filtros de água Europa em supermercados. Ela deve passar a tarde fazendo palavras cruzadas em virtude da falta de clientes. De repente, eu chego e vejo escrito em seu crachá: “Jessiquinha – Vendedora”.

– Ah, prefiro beber água suja.

O mais provável é que ela seja jornalista, sei lá. Trabalha no jornal Agora como repórter de curiosidades. Faz reportagens sobre anões e jacarés na periferia. A matéria vem assinada: “Jessiquinha Fernandes”.

Não tenho problemas com Jéssica, mas o apelido derivado não combina. A letra ‘Q’ me faz lembrar biscoitos infantis: “Saboreie a nova Jeffiquinho de morango”. Sinceramente, não dá.

Saudade do tempo em que os apelidos eram normais: Rosa, Pança, Jesus, Priguicinha, Cidão, Broca, Feliz, Estranho, Bunda, entre outros.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Curtindo uma viagem com a música eletrônica

Eu tenho um sério problema com pessoas que ouvem música no celular dentro de ônibus/trem/metrô/qualquer lugar. Tudo bem escutar em seus fones brancos, solitários, dentro de um mundo paralelo; mas colocar a música no último dos volumes para todos escutarem, não!

Talvez eu seja um conservador, mas não consigo ouvir música eletrônica às seis da madrugada dentro de um metrô lotado. Simplesmente está fora da minha capacidade física. Meus ouvidos não suportam e meu cérebro se transforma em pasta de amendoim.

É sempre assim: sento no meu lugar, pego um livro, inicio a leitura e... ela começa. Algum ser sem rosto ligou o celular e a maldita música eletrônica, estourando os tímpanos dos presentes. Pelo amor de Deus, alguém desliga essa coisa. Eu preciso ler, o senhor do meu lado quer dormir um pouquinho e tem um casal ali que necessita namorar.

Todos no metrô já perceberam o barulho e, no fundo de suas almas, desejam todo o mal à vida do sujeito do celular. Quem ele pensa que é? Acordamos cedo, trabalhamos muito e somos obrigados a ouvir esses barulhos sem sentido? Que porcaria de vida. Vai ouvir música eletrônica na casa do seu pai – é o pensamento geral da nação.

O casal de namorados me lança um olhar corajoso, algo como “precisamos reagir”. Já o senhor dorminhoco parece triste, não vê solução para o fim da música. “Não tem jeito, cara, o rapaz não vai desligar o celular” – ele me diz, melancólico.

Eu, esperançoso, vou fazer alguma coisa. Vamos reunir um exército, sei lá. Chamar o FBI, a CIA, a Polícia Federal, a Ordem da Fênix. O cara do celular precisa ser detido, a música eletrônica tem que parar.

Eu me levanto e, no alto da minha coragem, vejo o cara do celular. Detalhes sobre ele: é grande e forte, usa camisa larga e um boné de aba reta, tem bigodinho e deve trabalhar na tropa de elite. Mais calmo, eu decido ouvir a música eletrônica e curtir a viagem.

domingo, 14 de setembro de 2008

Qual é o segredo da ruivinha?

Para a Tatiane, que não me deixa escrever sobre mulheres

Não é que eu pensasse que elas não existem mais. Pelo contrário: eu sempre soube que ainda caminham por aí! Se andam por contos de fadas ou escondidas da luz enferrujada do sol, eu não sei, mas não sumiram do mundo, as ruivas.
Sim, elas sabem nos deixar rubros com seus cabelos de fogo e sardas no rosto. Tão assim, tão ruivas, tão lindas e tão perfeitas que fazem de nós, homens, meros apaixonados sem começo e sem fim; tão assim, tão normal.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

"Sou apenas um cara olhando o horizonte"

Para um amigo

Ah, se eu fosse um escritor, pensaria num texto lindo, daqueles que descobrem lágrimas nos olhos mais secos, desesperados, tristes e angustiados – aqueles olhos que não têm mais onde procurar ajuda, nem no choro.

Quando estivesse inspirado, minha caneta faria uma crônica que pulasse a Marginal, chegasse ao Minhocão, corresse pela Praça da Sé, entrasse no metrô e, andando mais um pouco, passasse pela Avenida Nova, que eu nem sei onde fica, mas que seria o lugar ideal para ela, a crônica.

E quem sabe, se eu fosse mesmo um escritor, sairia de mim o mais bonito dos romances. E ele seria tão genial, que levaria ao delírio as garotas dos meus sonhos: a Carla, a Bruna, a Roberta, a Karen e até aquela ruiva que me passa todos os dias sem dizer seu nome, me deixando apenas o prazer de contemplar seus passos.

Todos os homens da minha rua ficariam entusiasmados se um dia eu inventasse um personagem inspirado neles. O Mauro morreria de tanto beber, o Paraná tiraria uma perna e o Seu Eriston finalmente engoliria o rancor e chamaria pelo nome a mulher com quem está casado mais ou menos há trinta anos.

E hoje, exatamente hoje, se eu fosse bom com as palavras ou um escritor decente, talvez pegasse as melhores frases de porta de banheiro e as transformasse nos versos mais bonitos da Mooca, só para consolar o meu amigo, que está mal.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O suco mutante

Eu sei que já escrevi sobre os sabores sinônimos, como a beterraba que tem gosto de milho e o milho que tem gosto de beterraba. Sinto-me no direito de discorrer mais uma vez sobre o sabor dos alimentos deste planeta vil.

Hoje, meus queridos leitores, enquanto cientistas americanos pesquisavam um novo jeito de nos transformar em pasta de amendoim, eu fui iluminado pela luz divina e cheguei a seguinte constatação: “Este peixe está com gosto de mandioca!”

Não estou brincando, é verdade. Foi isso o que você leu. Os alimentos estão mudando de sabor. O peixe não é mais o mesmo, a água também não e o caldo de cana, nossa, nem vou comentar. Antigamente, eu tomava água e sentia aquele sabor puro, limpo, como água mesmo. Hoje não: a cada gole de água que bebo, mais sinto o gosto de coco queimado.

Outra: vocês já repararam que o suco de uva está mais com o jeitão de vinho? Não era assim, suco de uva era suco de uva, vinho era vinho. Sem semelhanças, por favor. Ninguém bebia suco de uva e falava “Tá com gosto de vinho isso aqui”.

Os motivos dessas mudanças devem ser diversos. Talvez o aquecimento global, não sei. A questão do etanol também me deixa dúvidas. O fato é que está acontecendo e não estamos fazendo nada.

Um dia desses, eu, a Nathália e a Rafaella estávamos almoçando. De repente, a Rafaella, que ainda não tinha bebido o suco, pergunta:

– De que é esse suco?
– De melancia – eu respondo.
– Não, é de morango, pô – retruca a Nathália.

Como bons brasileiros que somos, nós apostamos. Eu tinha certeza que era de melancia. Não sou burro, cara. Sei a diferença entre um suco de melancia e outro de morango. São anos e anos tomando Tang! Quer discutir ainda?

A Rafaella, curiosa, foi perguntar ao cozinheiro de plantão. Voltou, exclamando:

– Gente, como vocês são burros! O suco é de goiaba!

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Eu, massageado

Hoje eu fiz massagem. Sim, meu caros, enfrentei o medo, a vergonha e o receio de encontrar um massagista mais ou menos como o Odvan, antigo jogador do Vasco da Gama (lembra?). Mas não: tive a sorte de me deliciar com as mãos da senhorita Fernanda. O nome dela não é esse, suponho, mas achei que ela tem o jeitinho de Fernanda.

Entrei na sala, todo cheio de culpa: eu, um garoto de dezenove anos, de tênis furado, nada calmo e que ainda sente fortes dores no rim esquerdo, aqui nesta sala estranha? Massagem? Isso não é para mim, desculpe. Vou ali ao Mc Donald's e já volto.

– Você não vai se sentar? – perguntou a Fernanda, com jeitinho, toda de branco, linda.
– Claro – respondi, cheio de vergonha.

Eu olhei para a cadeira. A cadeira olhou para mim. Espera aí, não é uma cadeira normal! Primeiro, eu tenho que ficar numa posição estranhíssima e colocar a cara num buraco (não me levem a mal, por favor). Segundo, eu olho para o chão o tempo todo: qual é a graça de olhar para o chão enquanto a Fernanda me faz a massagem?

A sala estava cheia de pessoas sendo massageadas. É aí que minha imaginação ganhou espaço: por que elas estão ali? Será que estão estressadas tanto quanto eu? Foram traídas pelos maridos ou esposas? Têm tiques nervosos ou manias estranhas, como olhar três vezes se o gás está desligado? Aquela senhora ali do lado tem jeito de operadora de telemarketing.

Começa a massagem e a primeira coisa que descubro é que tenho cócegas nas costas. Pode dizer, não sou uma pessoa normal. Enquanto todos estavam tranqüilos, relaxados, pensando em monges tibetanos, eu estava rindo com aqueles murros que a Fernanda me dava.

O tempo foi passando e eu relaxando. Senti o fluxo (olha que lindo!) daquela musiquinha que tocava. Pensei em abandonar o mundo e virar monge, aderir ao yoga, comer apenas alimentos saudáveis, dormir no mato e jogar peteca com os amigos. De repente...

– Acabou – sussurrou a Fernanda em meus ouvidos;
– Não, não acabou – insisti.
– Acabou sim, você já pode se levantar.
– Não. Eu te amo tanto.
– Só fiz uma massagem em você, nem te conheço.
– Tudo bem, obrigado.

Fui embora, sem o peso nas costas.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Conta Outra

Ele foi cavando, cavando, cavando, pois sua profissão – coveiro – era cavar. Mas de repente, na distração do ofício que amava, percebeu que cavara demais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que, sozinho, não conseguiria sair. Gritou, mas ninguém o escutou. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enlouqueceu de gritar, cansou de esbravejar; desistiu quando a noite chegou. Sentou-se no fundo da cova, desesperado: o que fazer para sair desse lugar horrendo?
Essa história que você acabou de ler foi contada para um número de aproximadamente quarenta crianças de três a sete anos, na unidade do Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Elas, as crianças, passaram medo, gritaram, perguntaram, tentaram adivinhar o final, enfim, amaram a historinha.
(Ah, e você também quer saber o final da história, não é? Leia a matéria inteira que eu conto).
E não é apenas essa história que anda fazendo sucesso entre a molecada, mas diversas outras: o mercado de contações de histórias infantis chegou e conseguiu o seu lugar no coração dos pequenos.
Atualmente, o número de espaços que realizam este trabalho vem crescendo significativamente. Livrarias, bibliotecas, praças, escolas, entre outros. É o caso da livraria infanto-juvenil NoveSete, também no bairro da Vila Mariana, que realiza contações há sete meses. “Criamos esse projeto com o objetivo de alcançar uma integração maior entre as crianças, com o próprio espaço da livraria, com os livros, com este enorme universo literário”, afirma Gislene Gambini, proprietária do lugar.
As escolas públicas também se interessaram por passar aos seus alunos um pouco deste universo. “Recebemos diversos convites da Prefeitura de São Paulo para contar histórias, o que demonstra um interesse dos órgãos públicos de ampliar os horizontes culturais dos alunos mais carentes”, diz Fernanda Viacava, da Companhia Teatral Dedo de Prosa.

O que contar
Os temas são os mais variados, desde a relação entre as pessoas com o trabalho até contos populares de outros países, como o de Pedro Malazartes. “Tentamos diversificar, mas sempre tocamos a questão do vínculo entre as pessoas, as relações de amor, confiança.”, reflete Kiara Terra, contadora de histórias há oito anos.
Contos famosos, como o dos Três Porquinhos, geralmente não são bem aceitos pela criançada, pois todos já sabem a trama, os personagens, o final. “A criança quando ouve nossas histórias não quer saber da Chapeuzinho Vermelho. Essa ela ouve em casa, com os pais. O ideal é usar contos não muito conhecidos. Utilizar a cultura indígena, africana, européia”, diz Fernanda.
Histórias de terror, como a que você leu no início desta reportagem, também são sempre usadas. É uma forma de mostrar para as crianças com menor idade as diversas possibilidades que a vida pode ter; que nem tudo é um conto de fadas e que o final, às vezes, pode ser infeliz. “Uma vez, em uma história de terror, uma garotinha chegou a urinar nas calças de tanto medo. Mas isso foi importante; ela se reconheceu na história. Viu que, como ela, o personagem também sente medo, que é um sentimento normal.”, explica Fernanda.

Como contar
Um espaço livre, um banquinho (mas pode ser no chão mesmo), uma boa história, e o principal: crianças! Pronto, você também já pode contar uma história infantil. Não é preciso ter formação em artes cênicas para ser um bom contador: ter que ter o “jeito”, segundo os contadores profissionais, que vão desde psicólogos até pedagogos. “Basta apenas ter afinidade com os livros, saber se expressar bem, chamar a atenção das crianças”, explica Beatriz Pecci, consultora literária da livraria NoveSete.
A principal dificuldade de contar histórias às crianças, segundo os profissionais, é manter a atenção dos pequenos. Se a história for muito longa, a criança se perde, ou não presta a devida atenção. Por isso é sempre importante utilizar métodos que a façam entrar nas histórias: músicas, perguntas, interromper a história no meio e perguntar se todo mundo se recorda do início, são alguns truques dos contadores. “Se a criança não gostar da história, ela vai reclamar mesmo. Eles são muito sinceros”, diz Dinah Feldman, também da Companhia Dedo de Prosa.

Por que contar
A tradição de narrar histórias vem de longa data. Antigamente, antes do surgimento dos livros, as notícias eram passadas de boca a boca; não havia como propagar um fato sem utilizar a oralidade. Depois da invenção da prensa, tudo mudou. As histórias encontraram um meio de se perpetuar no tempo e no espaço, atingindo, assim, um maior número de pessoas.
Atualmente, com o surgimento das novas mídias, como a televisão e a internet, criou-se uma sociedade baseada, principalmente, na imagem. “Contar histórias quebra essa coisa de ter tudo ali na sua frente; as crianças imaginam as cenas, os personagens, as situações: nada está pronto para elas”, afirma Dinah. ”Resgatamos também a arte de sentar e simplesmente ouvir o outro, o que não é mais tão comum na nossa sociedade.”, diz.
As contações também ajudam a introduzir a criançada no mundo dos livros. “Às vezes, os pais nos procuram para indicarmos algumas obras para seus filhos”, diz Fernanda. “O que fazemos desperta nas crianças uma curiosidade por um mundo novo: o dos livros. Já é natural da criança querer conhecer tudo, mas quando ela ouve uma história, isso cresce de uma maneira fantástica. É muito gratificante”, completa.

(Agora que você chegou até o final desta reportagem, vou contar o desfecho da historinha do início):
Só um pouco depois da meia-noite é que vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça apareceu lá em cima. Era um bêbado. Perguntou o que havia: “O que é que há?”
O coveiro gritou: “tire-me daqui, por favor. Estou morrendo de frio”. Então o bêbado disse: “Coitado, tem toda razão de estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de você, meu pobre mortinho”. E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs a cobri-lo cuidadosamente.

domingo, 20 de julho de 2008

E se...

Estava eu roendo as unhas quando meu amigo Sato deu a seguinte sugestão: “Você poderia escrever sobre escolhas”. Acatei a idéia do japonês e vomitei este pequeno texto que vem a seguir.

Se eu não tivesse escolhido seguir o conselho de minha mãe naquele dia chuvoso de fevereiro de 2006 não teria ido à escola. Eu não indo à escola não ouviria a frase que meu amigo Renato disse baixinho ao meu outro amigo Ivan: “Ouvi uma banda chamada Arctic Monkeys”. Eu, sendo curioso, procurei o tal Arctic Monkeys. Ouvi. Gostei. Comprei o CD e a camiseta. Virei fã. Quis ir ao show. Chamei meus amigos Renato, Daniel e Camila. Marcamos na estação. O Daniel levou o seu amigo Thiago e ambos chegaram atrasado. A Camila não: estava lá antes de todos. O festival já havia começado. Decidimos beber um pouco antes entrar. Compramos quatro vinhos e duas cervejas. Ninguém bebeu os vinhos. Eu bebi as cervejas. Entramos no show. Se a Camila não fosse baixinha, nós não tentaríamos ir lá para frente. Se a Camila não discutisse com a garota dançante, nós não iríamos mais a frente ainda. Enfim, se o cara nordestino não tivesse cansado pela falta de água. Se houvesse água. Se eu gostasse de Björk e se um estranho homem não caísse encima de nós, eu não teria te conhecido, Carla.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Crônica de um amor passado

Para Carla

Era texto. Ele a amou primeiro em texto, como a musa inspiradora de grandes olhos azuis. Ela se apaixonou pelo que ele escrevia. E os dois se amaram em letras, em parágrafos, em pontos, em vírgulas, em exclamações e em beijos de mentirinha.

Um dia, eles decidiram que o amor não cabia mais em papéis e páginas de computador: o amor cresceu, cresceu, cresceu... e de tão grande, pulou fora do imaginário dos dois; agora ele era praça, cinema, pipoca, chuva e guarda-chuva, beijos e petit-gateau aos domingos.

O garoto descobriu que a amava de todas as formas e jeitos e em todos os momentos: amava todas as palavras tímidas que ela dizia, o jeito que ela levanta a sobrancelha, todos os suspiros asmáticos, e amava o jeito dela descer escadas.

Então eles namoraram e foram felizes. Mais que felizes: eles pensavam da mesma forma e riam da mulher que os tratavam mal. Para ele, isso era o amor.

Mas tudo tem chega ao seu final. E o fim do amor deles chegou.
Tudo acabou: o namoro, os beijos acabaram, as segundas-feiras juntos acabaram, o filme acabou, a felicidade, o mundo. E o que sobrou? O texto, pois é só isso que ele sabe fazer. Ele é texto, é crônica.

sábado, 24 de maio de 2008

Crônica de um amor futuro

Ela, a menina, nunca amou ninguém. Nenhum garoto de sua escola nem de seu bairro nem de seu país nem de todos os lugares que Deus inventou só para que ela, a menina, dissesse: “Não há no universo um garoto que me faça amar”.

A menina já havia provado de todas as paixões da adolescência: as possíveis, as contrariadas, as infelizes, as grudentas, as paixões de muro e portão. Até aquela, a escondida, a menina já tentara. Mas nada de amar: era só degustação.

A menina então procurou ajuda: perguntou ao seu pai, mãe, tia, avó, o moço que vendia alianças na porta do seu trabalho; perguntou aos deuses, aos orixás, aos pais e mães de todos os santos que ela, a menina, rezava na igreja. “Onde posso encontrar o garoto que me faça amar?”

Até pouco tempo atrás ela ainda continuava procurando. Já vasculhou todos os lugares do mundo: os corredores de sua escola, tubos de ventilação, elevadores, terrenos baldios, salas de bate-papos e páginas do orkut, debaixo de mesas, sofás e cortinas; procurou em músicas, filmes, novelas, papeis de parede e corações de chocolate.

“Onde está ele, meu Deus?”, pergunta ela. Então Deus respondeu: “Você vai encontrá-lo, é só parar de procurar”

A menina parou de vasculhar todos os lugares possíveis e imagináveis. Seu amor vai aparecer sem mais nem menos, em qualquer lugar, em qualquer momento: na praça, na rua, no ponto de ônibus, em dias de sol ou chuva, em terremotos ou filas de banco, numa foto ou poema de jornal.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

O meu novo amigo Omar

O Omar tem quatro anos. Não é três nem cinco: é quatro! – ele gosta de exaltar. O Omar é espanhol, nascido em Madrid; mudou-se para São Paulo há três meses por conta de um novo trabalho de seu pai, que é médico.

Eis o fato: estava eu sentado em um banquinho no horário do lanche, no trabalho. O Omar brincava com algumas pedras que havia no lugar. Sabe-se lá por que algo na minha pessoa lhe chamou a atenção. Começamos a conversar.

– Você tá gostando do Brasil, Omar?
– Não vi muita coisa ainda. Mas não gostei.
– Por que não?
– Os prédios daqui são muito pequenos.
– E os de lá são maiores, né?
– Muito, muito maiores. Bem assim, ó?

E demonstra com suas pequeninas mãos os gigantescos prédios espanhóis.

Você trabalha aqui? – pergunta ele.
– Sim, lááá no último andar, consegue ver?

Ele se entorta todo para enxergar o último dos dez andares do prédio onde eu trabalho.

– E como você chega lá?
– Pelos elevadores.
– Ah, sim. Sei o que são. Quero ir lá onde você trabalha.
– Eu te levo qualquer dia, ok?

Eu tava bebendo um mate com limão neste momento. Não é a melhor bebida para uma criança de quatro anos, mas ele também provou. Não curtiu muito.

– E você gosta de futebol, Omar?
– Não. Gosto de bicicleta. Mas não tá aqui. Ficou na Espanha.
– Você tem que torcer pra algum time. Aqui é o país do futebol.
– Sim, sim. Mas prefiro bicicleta.

O papo seguiu durante uns dez minutos: aqueles minutos que você lembrará para sempre, saca? Poderia parecer que eu e o Omar éramos amigos há muito tempo. Não muito tempo, afinal, ele só tem quatro aninhos. Nem três nem cinco: quatro aninhos! Nos demos bem.

Você deve estar pensando: “se ele é espanhol, por que, diabos, fala português? Ele não fala português, eu apenas traduzi aqui no texto.


– Você já foi pra escola aqui no Brasil, Omar?
– Ah, sim. Fui. Não gostei.
– Ué, não fez amigos?
­– Deixa eu ver...fiz cinco amigos!
– Olha só, que legal.

O horário do meu lance acabou: eu precisava me despedir do Omar.

– Omar, eu preciso ir, senão minha chefe vai brigar.
– Viiiiixi. Tá bom. Somos amigos então?
– Claro, Omar.
– Você é legal, entende o que eu falo!

Provavelmente nunca mais verei o Omar. Ou talvez até veja, mas quando ele já for grande, não terá mais o sotaque espanhol; quem sabe nem se lembre como se fala prédio na sua língua natal. Ou talvez nem se lembre destes dez minutinhos que passou com um desconhecido.

Para você pode parecer idiotice tudo isso que eu contei; mas, juro, conversar com esse espanholzinho de quatro anos foi o melhor momento do meu dia.

sábado, 19 de abril de 2008

Papo de bêbado (e corintiano)

Há coisas que só acontecem no metrô de São Paulo.

Entra um bêbado:
– Aí, moçada, é Curintia!
– Opa, Timão eô – pensei, irônico.
– Vamos lá – ele sentou do meu lado e começou a batucar no vidro do trem.

Bom, o bêbado (e o corintiano) já é figura carimbada em crônicas, e se não fosse a falta de assunto, ele não estaria nessa. Mas fazer o quê?

– O quê? – perguntei para o bêbado depois de ele falar comigo.
– E o Corintia, como tá?
– Mal, por quê?
– O Marcelinho joga hoje?
– Ele não está mais no Corinthians
– Como não?


(Silêncio)


– Agora só falta você dizer que o Zetti não jogou no Curintia?
– Ele também jogou no Corinthians. Aliás, foi o único dos grandes que ele não defendeu.
– Você tá louco, bixo. O Zetti fez vários gols pelo Timão.
– Desculpe, o senhor está confundindo, ele era goleiro.
– Você bebeu hoje, meu filho?


(Silêncio)


– Você sabe, meu filho, na minha época o Corintia era um time bom.
– Sério? Você é das antigas então, né?
– Não muito. Vi Biro-Biro, Basílio, Sócrates, Raí.
– Mas o Raí jogou no São Paulo.
– Claro que não, o Raí era do Timão, meu.
– O Raí, irmão do Sócrates?
– É, aquele que namorava a Xuxa.
– Que eu saiba foi o Pelé que namorou ela.
– Não! O Pelé nem passou no teste do timão, você sabia, né?
– Acho que o senhor se enganou.
– Você que não entende nada de futebol.
– Eu?
– Só pode ser são-paulino mesmo, vai estudar, meu filho.

Eu fui. Afinal, não quero virar bêbado e nem corint, ops...você entendeu.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

A briga no metrô e outras lembranças

Estava este pobre escriba esperando para subir em uma escada rolante na estação Brás do metrô, em São Paulo, quando dois homens começam (sem razão aparente) a trocar socos e pontapés. Capoeira, Judô, Karatê, Boxe, e todas as lutas conhecidas foram usadas pelos dois; eles buscavam ferir o outro da forma mais dolorosa, mais sangrenta.

A escada tava lá subindo, e a briga – cada vez mais violenta – descendo. Como eles conseguiam esta façanha da física eu não consigo imaginar, mas o fato é que estavam chegando perto de mim.

Como alguns de vocês sabem, sou magro. Não tenho biotipo (?) nenhum para artes marciais, muito menos para brigas. Enfim, se um soco perdido daquela batalha me atingisse eu estaria quase morto, ou pior, perderia algum dente. Ou, quem sabe, ficar com um olho roxo.

Eis que nesse momento crucial da minha vida, como se um filme passasse sobre meus olhos, recordei as três brigas que tive o desprazer de participar. Vamos a elas.


Briga número 1

Idade: 6 anos

Adversário: Washington (lindo nome!);

Motivo: como a maioria das desavenças entre homens tem a ver com futebol ou mulher, a nossa não poderia ser diferente. Ambos gostavam de uma garota chamada Laís. Aí, você, leitor esperto, já pode imaginar. Mas, se eu me recordo bem, tinha a ver com lugar que os dois sentariam a fim de estar mais perto da amada. Coisas de homens, saca?

Vencedor: Washington.



Briga número 2

Idade: 8 anos

Adversário: Júnior (meu companheiro de jornal na primeira série; hoje ele faz engenharia da computação)

Motivo: Eu perdi um gol na aula de educação física. Ele ficou zangado. Discutimos. Brigamos. Duas horas depois, aos goles de uma coca-cola xingamos juntos a inspetora do colégio, aquela velha chata, e voltamos a normalidade da amizade (com o perdão da rima).

Vencedor: Júnior



Briga número 3

Idade: 10 anos

Adversário: Felipe (apelidado carinhosamente de “Esquisito”)

Motivo: Existia uma brincadeira (não lembro o nome) que proibia que os membros de um determinado grupo de falarem palavrões, sob pena de murros e pontapés para quem soltasse um. Ou seja, se algum falasse “porra”, por exemplo, levava vários socos dos outros membros do grupo. Eu, com a minha boca suja, falei um; o problema é que levei um murro no rosto do Esquisito. Revidei. Brigamos.

Vencedor: Esquisito.


Como você viu, amigo leitor, não sou muito afortunado em combates, rixas, disputas, quebra-pau etc. Sempre levo a pior. Por isso, fujo de um confronto como o diabo foge da cruz, ou como todos os brasileiros fogem de filmes da Xuxa.

Voltando ao início do texto, a batalha do metrô continuou violenta; eu desviei de um pontapé perdido, subi a escada e perdi de vista os combatentes enfurecidos.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Hoje o dia tá difícil

Como a criatividade me abandonou nos últimos dias, postarei um texto feito na aula de “Técnicas de Som e Imagem”, na faculdade. Pedida pelo professor Armando Prazeres, a atividade consistia em escrever uma pequena crônica, escolher uma música que serviria de trilha e finalmente lê-la na frente da sala. Ficou tosco, já vou avisando, mas até que arrancou alguns sorrisinhos constrangidos. Vamos a ela.



Em casa. Às seis da manhã grita minha mãe:
– Acorda. Já tá na hora, vagabundo.
– Calma, mãe.
– Primeira semana de aula e você já quer dormir até mais tarde. É um vagabundo mesmo.


No metrô lotado. Conversando com um idoso; ele fala:
– Porra, eu ganho 350 reais por mês, e ainda pego esse metrô desse jeito. Velho sofre.
– Jovem também.
– Jovem não. Você pode ir pro bar, beber, paquerar.
– E você, não?
– Só paquero na fila do INSS.


No elevador. Conversando com o Danillo.
– Que professor é hoje?
– Espero que não venha falar da economia do Paquistão, ou aquele papo chato de que é preciso estudar e blá blá blá.


Na aula. O professor:
– Vocês terão que fazer uma crônica a partir de uma música que servirá de trilha.
– Ah, tá – respondem os alunos, em coro.


Agora estou aqui na frente. O Danillo de camisa vermelha, o Allan com cara de inteligente e o professor lá atrás tá com a mão no queixo, provavelmente pensando:

– Que idiota esse Leandro.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Coisas boas da vida...

Que nos fazem pensar que existe felicidade:


- Tomar sorvete sabor “diamante negro”, sobretudo se, no final, a gente descobre que há alguns pedacinhos de chocolate.

- Andar às sete da manhã, ventando, sobretudo se balançar seu cabelo; e ouvindo, no mp3, alguma música dos Los Hermanos, ou do Bob Dylan, ou do Johnny Cash.

- Assistir filme no inverno, debaixo das cobertas, e comendo pipoca temperada com Sazon.

- Chegar na faculdade, no dia da prova semestral, e encontrar a turma inteira reunida em mesas, que foram juntadas a fim de se estudar; mas no final descobrir que todos falam de algo que não tem nada a ver com a maldita prova.

- Assistir sua série preferida e descobrir que o personagem que você mais gosta morreu afogado; mas, na verdade, você queria que ele morresse; e você admite que, falando francamente, queria ter o sentimento de perda.

- Zoar com um amigo corintiano, sobretudo se o time dele foi rebaixado à segunda divisão.

- Acordar no sofá depois do que, segundo pensamos, passaram-se duas horas; depois descobrir que foram apenas 15 minutos.

- Dormir com o rádio ligado, sobretudo se você acordar no meio da noite e descobrir que tá passando aquela música que tanto gosta.

- Um amigo seu dizer: “Se for a única saída, dois corvos lutarão pela mesma presa.”

- Comer brigadeiro preparado pela avó.

- Mousse de maracujá.

- Bolo de chocolate.

- Pisar em folhas secas.

- Cafuné de mãe.

- Dinheiro dado pela madrinha, ou por aquela tia distante que você vê uma vez no ano. Daí, ela diz: “Toma aí, meu filho, só pra você comprar uns doces.”

- Beber cerveja num bar da Rua Augusta, com dois amigos, um deles fala: “Somos amigos há tanto tempo, né?” E você realmente não lembra a quanto tempo, mas sabe que são muito amigos.

- Beijo de namorada, sobretudo se for em alguma praça, com pombas voando. Daí você diz “Nossa, daqui a pouco uma vai bater em nós." Mas elas não batem, pois não pretendem atrapalhar os pombinhos se beijando.

- Andar de mãos dadas com a garota que você gosta, sobretudo se entram em alguma uma locadora de vídeos, e descobrem que virou uma loja de conveniência. Aí, ela diz: “Aqui era uma locadora, não sei o que aconteceu”. E você fala: “Ah, que pena, vamos comprar chocolate, então?”



terça-feira, 29 de janeiro de 2008

1996, o ano em que virei jornalista

Hoje, dia 29 de janeiro, é o Dia do Jornalista. Parabéns para nós.

(Palmas, por favor)


Desde pequeno, sempre quis ser jornalista. Na primeira série, com sete anos, eu e alguns amigos fizemos um jornalzinho chamado “Gazeta 1,2,3”. Mesmo com pouco tempo de alfabetização, já tínhamos aspirações para repórter.

As matérias eram coisas simples. A minha primeira contava, veja só, a história de um boi que morreu atropelado na estrada. Meu amigo Luciano, quando deu a idéia do jornal, falou:

– Podemos contar qualquer coisa.

Levei a sério. O boi morreu devido a um motorista embriagado, coitado. O ano era 1996, e até hoje morrem pessoas, não bois, fruto da bebedeira alheia.

1996, além da morte do boi, foi conturbado; aconteceram muitas coisas; nós, como jornalistas, noticiamos tudo, é claro, com imagens, quer dizer, desenhos feitos por Cristiano, nosso Editor de Arte.

Só para citar alguns fatos.

- No dia 2 de março, um acidente aéreo matou os integrantes da banda Mamonas Assassinas.

- Queda do Fokker 100 da Tam, matando 99 pessoas.

- Explosão do shopping de Osasco, matando 42 pessoas.

- Morte de PC Farias.

- Morte de Renato Russo.

- Massacre de Eldorado dos Carajás, onde foram mortos, pela policia militar do estado do Pará, dezenove manifestantes sem-terra.

- Celso Pitta foi eleito prefeito de São Paulo.


Só para você não dizer que só aconteceram desgraças, algumas coisas boas:


- Ano das Olimpíadas de Atlanta.

- A cidade de Varginha é invadida por extraterrestres.

- Novelas “Rei do Gado” e “Explode Coração”.

- O guitarrista Slash anuncia sua saída da banda Guns N’ Roses.

- Palmeiras perde final da Copa de Brasil para o Cruzeiro.

- Eu aprendo a ler.

- Nascimento da Ovelha Dolly (depois ela virou refrigerante)


Só para terminar, um diálogo entre eu e minha mãe no dia da morte dos Mamonas Assassinas.

– Mãe, por que os Mamonas morreram? Por que o Roberto Carlos não morreu no lugar deles?
– Porque ele não estava no avião, meu filho.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Paraná, o Agente Secreto

Meu nome é Paraná Siqueira. Não Paraíba nem Panamá. É Paraná. Não confunda. Estou escrevendo neste Blog a pedido do Leandro, meu vizinho. Ele não é idiota, se implorou para eu escrever aqui é porque tenho o que dizer, ou o que contar.

Sou agente do serviço secreto brasileiro, quer dizer, fui. Saí. Cansei. A vida tava chata; nenhuma guerra, nem missões secretas, nenhum assassinato para eu fazer. Nada. Nos últimos anos, a única coisa que fiz foi treinar novos agentes. Até ensinei algumas técnicas àquele bosta do Capitão Nascimento. Quanta perda de tempo. Que marasmo.

Eu cheguei a sugerir para o Presidente Lula, sim, eu o conheço, aliás, somos grandes amigos, que entrássemos na guerra do Iraque. Não do lado dos Estados Unidos, mas dos iraquianos mesmo. Porra, temos chances contra o poderio americano, sim! Aquelas armas dos ianques não passam de um forno de microondas gigante. Com Paraná na Guerra, estávamos feitos.

Vou contar para vocês, seus calhordas, uma de minhas aventuras como Agente Paraná.

Estava eu numa missão em Berlim, Alemanha (conhece?), lá pelo ano de 1989. O trabalho consistia em matar um traficante brasileiro que havia fugido para lá. O nome dele eu não recordo, só sei que tinha a ver com o canto da praia. Não sei, não guardo nomes.

Dormi num hotel de beira de estrada, Hilton era o nome, sei lá. Não guardo nomes, já disse, porra. Recebi, logo no começo do dia, informações de onde estaria meu alvo, o tal Canto da Praia. Vesti meu terno branco e fui atrás. Coitado, faria picadinho dele. Sou Paraná. Sou foda.

Cheguei ao lugar indicado. Uma rua movimentada. A fonte secreta dizia que o cabra estaria numa barraquinha de pipoca ao lado de um muro. Vendendo drogas, é claro. Ou você pensa que nessas pipocas de rua colocam sal? É tudo droga, rapá, intropecente, digo, entorpecente. Tanto faz.

Mirei o Canto da Praia com a minha bazuca. Bela Bazuca é o apelido. O primeiro tiro falhou. Merda. O segundo também. Que porra é essa, pensei. A Bela Bazuca havia falhado; logo ela que nunca me deixou na mão. Porra.

Vou ter que matar o homem a machadada mesmo, minha segunda arma. Belo Machado é o apelido. Fui lá. Paraná foi. É o seu fim, Canto da Praia. Peguei o Belo Machado, caminhei em direção ao cabra, dei o primeiro golpe; ele desviou, atingi o muro, até fez um buraco. Dei o segundo golpe; ele desviou novamente, atingi o muro a segunda vez: outro buraco.

De repente, um velho barbudo, empolgado com a cena, me roubou o Belo Machado. Velho filho da puta. Ao contrário de me ajudar a matar o Canto da Praia, começou a golpear o muro. Pra que bater naquele monte de pedra?

Nesse meio tempo, o Canto da Praia fugiu sabe-se lá para onde.

Um carinha loiro, sabe como são esses alemães, pegou um pedaço de pau e começou a bater no muro. Pois é. Uma multidão resolveu imitar o velho e o carinha loiro e começou a golpear também. Porra, gente idiota, com o Canto da Praia solto, eles batem nessa merda.

Era 09 de Novembro de 1989, uma missão fracassada, um desastre. Fazer o quê?

Depois derrubaram o tal muro. Quanta perda de tempo.




Outro dia eu volto a essa merda de blog. Se o Leandro, meu vizinho, implorar, é claro. Afinal, Sou Paraná Siqueira, o Agente Secreto.

Porra.