sexta-feira, 26 de junho de 2009

"I (don't) want you back"

(Toca o telefone)
– Alô.
– Alô, Leandro. É a sua mãe.
– Oi, mãe.
– Adivinha quem morreu?
– Deus?
– Não, idiota. Foi o Michael Jackson.
– Olha, quase acertei então.
– Ele não é Deus, ele é apenas o Rei.
– Um dos reis, né? O Roberto Carlos e o Pelé ainda estão aí para nos atormentar. Sem contar as rainhas: Madonna, Xuxa...

(Alguns minutos depois, no trabalho)
– Gente, o Michael Jackson morreu!
– Mentira.
– Como mentira? O coração dele parou, morreu, deu no rádio, na televisão, na internet.
– E você acredita nessas coisas? É tudo encenação, você acha que essas pessoas morrem? Daqui a pouco alguém vai gritar: “Michael Jackson não morreu!”, igual o Elvis. Depois isso vira frase de camiseta, tema de documentários, religião...

(Depois de ler uma entrevista na Folha Online)
– Você viu o que Claudia Leitte disse a respeito da morte dele?
– A Claudia Leitte existe de verdade? Pensei que ela fosse algum personagem criado no Photoshop.
– Pois é, existe e tem opinião. Aliás, sobre a morte todos têm opinião. A morte faz parte da vida. Para tudo dá-se um jeito, menos para a morte etc.
– É tudo uma grande merda. Um puro espetáculo, não é? Não deixam nem o cara morrer em paz...o que a Claudia Leitte tem a ver com isso? O que nós, brasileiros, temos a ver com isso?
***

Não sei se já aconteceu com você. Hoje, no ônibus, eu tive uma estranha sensação: como se eu encontrasse significados ocultos em todas as coisas e ações que eu via: as pessoas preferindo o banco vazio a sentar ao lado de alguém, a solidão dos paulistanos em dias de chuva e frio, o salão de cabeleireiro chamado “Novo Estylo”, o Leitte da Claudia Leitte...Tudo fazia parte de uma grande engrenagem com símbolos a serem descobertos. Tudo dizia algo, tudo comunicava, tudo era política.

domingo, 14 de junho de 2009

No mundo ideal não existiriam títulos

Num mundo ideal, as coisas funcionariam. Os computadores, quando nervosos, não deixariam os seus donos na mão; os telefones nunca, absolutamente nunca, ficariam mudos, nem por falha mecânica, nem por erro humano, afinal, no mundo ideal, não haveria mecânica, muito menos humanos.

No mundo ideal, as janelas dariam para paisagens bonitas, dessas de calendário, sabe, dessas que nos fazem pensar em mudar de profissão: virar fotógrafo, viajar para o Hawaí e casar com uma linda norueguesa. No mundo ideal existiriam lindas norueguesas aqui em São Paulo – e elas andariam por aí, nos ônibus, no metrô, no trem. Mas isso seria realmente difícil, porque no mundo ideal, não existiria ônibus, metrô e trem, aliás, São Paulo também não existiria no mundo ideal.

No mundo ideal não existiria dor de cabeça nem dor de estômago nem cólica feminina nem dor de dente nem náuseas nem dor de ouvido nem hérnias de disco nem dor nas costas nem cálculos renais nem dor no dedinho do pé nem dor existencial nem depressão nem dor de amor. No mundo ideal não haveria amor no mundo ideal não haveria amor no mundo ideal não haveria amor.

No mundo ideal não haveria frases sem vírgula. A vírgula seria uma pausa para pensar. Vírgula não sei o que dizer vírgula. Eu quero vírgula parar de pensar vírgula besteira porque vírgula não vírgula agüento mais vírgula.

No lugar dos shoppings haveria uma montanha de livros, lá no mundo ideal. As pessoas gostariam de ler e, acima de tudo, ninguém acharia estranho você escolher uma leitura estranha, do tipo Mate-me, por favor ou Trópico de câncer. No mundo ideal nada seria estranho.

Ah, no mundo ideal nós poderíamos escrever o que quiséssemos, cara. Desligar a tela e deixar fluir, fruir. Ninguém se importaria em se encaixar nessa porcaria de regra de ser o certinho. Para o inferno com tudo isso. No mundo ideal, sim, no mundo ideal, toda a angústia de viver sairia de nós em forma de versos: lindos e horríveis versos.