terça-feira, 28 de setembro de 2010

Leandro Machado prefere a terceira pessoa

Nascido no glorioso fevereiro de 1989, Leandro Machado se orgulha de ser um dos poucos remanescentes dos anos 80 ainda em atividade. “Quando nasci, o Bon Jovi ainda usava cabelo grande”, conta. Morador da Zona Leste de São Paulo, ele se admira ao conhecer pessoas que não sabem que o mundo já foi dividido por um Muro de Berlim. “Na minha época só se falava nisso”, diz.

Leandro começou cedo na militância política: contrariando as ideias conservadoras de seu pai, que ainda acreditava no poder supremo de Paulo Maluf, o rapaz se decidiu pelo comunismo aos dez anos de idade. Por isso, ao ter de escolher entre o azul e o vermelho, ficava sempre com o encarnado. “O meu Power Ranger preferido sempre foi o vermelho, por exemplo”, diz.

É claro que, ao se sentar no troninho de poder que seus pais lhe deram a seguir, Leandro deu adeus às armas e se rendeu aos prazeres do McLanche Feliz. O que era o Power Ranger vermelho ao lado de uma coca-cola com hambúrguer?

Aos onze anos, o rapaz começou a pensar em sua carreira. “A ideia de um mundo cheio de monstros gigantes nunca me saiu da cabeça”, conta. Leandro escolheu salvar o mundo sendo policial, bombeiro, Bruce Willis, motorista de ambulância ou Cavaleiro do Zodíaco. O mercado não o absorveu, infelizmente. “A culpa não foi minha”, conta o garoto, lembrando que a culpa das mazelas do mundo deve sempre cair sobre os ombros da Igreja, do sistema ou do José Dirceu.

Leandro logo percebeu que nunca tivera vocação para herói. “De super, só tenho o superego”, define, puxando um bloquinho para anotar a própria frase. Na verdade, o garoto decidiu apenas trocar a armadura por uma guitarra velha. Tornou-se roqueiro e um rebelde com calça (“jeans e regada”, lembra).

Três acordes, letras engajadas e um all star velho. “Era incrível como, naquela época, tudo cheirava a espírito jovem”, diz. Compôs diversas músicas – todas reivindicando a liberdade dos alunos, frente à repressão da diretora da escola onde estudava. “Ela nunca nos deixava jogar bola depois do horário da educação física”, relata. Juntamente com seus colegas de banda (bando?), o garoto chegou a praticar atos terroristas, como esvaziar os pneus do veículo da diretora. Por essas circunstâncias do mainstream, suas músicas não chegaram às multidões, pois os shows não passavam dos limites da garagem do seu amigo Renato.

No ensino médio (mediano?), a rebeldia roqueira deu lugar aos hormônios. Como diz o poeta, aos 15 anos tudo é eterno. Por isso, Leandro confessa ter sido adepto do casamento imediato ao conhecer as pretendentes. “Cheguei a pedir a mão de 23 garotas”, diz. Obviamente nenhuma delas cedeu aos (des)encantos do rapaz.

Chegando ao fim do colégio, o jovem se viu confrontado por sua professora de Português. “Ela simplesmente me perguntou o que eu queria fazer da vida”, conta. Confuso, ele preferiu não responder.

Um dia, percebeu que sempre gostara de escrever, mas sua atração sempre foi por outro, pelo estranho que não era ele. Talvez por suas raízes mais ou menos comunistas, Leandro sempre preferiu a terceira pessoa. “Acho que conhecer o outro é encontrar a si próprio. É isso o jornalismo na minha vida, é para isso que ele serve”, analisa.

Talvez essa seja a explicação psicológica da coisa. Na prática, Leandro desejava mesmo era salvar o planeta dos monstros gigantes. Porém, ao entrar na faculdade, viria a descobrir que essa não é uma atribuição do jornalista. “Na primeira aula, uma professora sugeriu que, quem estivesse ali para salvar o mundo, podia se retirar da sala”, revela, constrangido.

Mas ele, Leandro Machado, brasileiro da Zona Leste de São Paulo, nascido na época em que o Bon Jovi ainda tinha cabelo, comunista aos dez anos, roqueiro e adepto do casamento imediato, não desiste ao ouvir uma frase desanimadora.

Quatro anos depois, ele escreve, procura o “eu” dentro dos outros e chama os monstros gigantes para o ringue. “Alguém quer brigar?”, pergunta.

*Esse texto foi escrito para concorrer a uma vaga no Curso Abril de Jornalismo. O tema era "quem sou eu e por que jornalismo". Espero conseguir. Torçam por mim. Adeus.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Do lado de dentro [conto]

Por muito tempo me tranquei em casa, afundado na inércia e na solidão dos meus amigos do Orkut. Enquanto isso, lá fora, uma cidade inteira tocava a minha campanhinha.

Um dia, abri a porta.

domingo, 5 de setembro de 2010

Do lado de fora [conto]

– Posso ouvir o som que sua barriga faz?

– Claro, mas não deve ser um barulho muito agradável.

– Ela está roncando bastante. Que engraçado!

– Amor, agora você quase me conhece por completo. Até o som da minha barriga...

– Ah, é? Você disse quase. O que mais tem aí dentro?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Encontro [conto]

Eu disse que era ela, eu te avisei que ela chegaria agora. Você não me ouve, nunca me ouviu. Fica sempre aí, flutuando em seu último orgasmo. Que droga! Nosso amor tem pressa! E agora, o que nós fazemos? Ela está batendo na porta, dá pra ouvir? Se ela te vir aqui, você morre, entendeu? Morre! Precisamos pensar... Onde eu te escondo? Espera aí, vou fazer alguma coisa. Entra, vai. Vou lá abrir a porta.

– Oi, amor! Chegou cedo hoje.

– Sempre chego cedo pra você, né? Que cheiro de homem é esse?

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Risco

Minha mãe sempre me pede para beber um copo d’água depois de tomar sorvete. Segundo ela, o método serve para evitar uma eventual gripe, que viria através do efeito gelado do sorvete.

Imagino se tivéssemos que beber um copo d’água para todas as coisas boas do mundo. Seria uma chatice, não?

Não há vida sem risco.