quarta-feira, 27 de agosto de 2008

"Sou apenas um cara olhando o horizonte"

Para um amigo

Ah, se eu fosse um escritor, pensaria num texto lindo, daqueles que descobrem lágrimas nos olhos mais secos, desesperados, tristes e angustiados – aqueles olhos que não têm mais onde procurar ajuda, nem no choro.

Quando estivesse inspirado, minha caneta faria uma crônica que pulasse a Marginal, chegasse ao Minhocão, corresse pela Praça da Sé, entrasse no metrô e, andando mais um pouco, passasse pela Avenida Nova, que eu nem sei onde fica, mas que seria o lugar ideal para ela, a crônica.

E quem sabe, se eu fosse mesmo um escritor, sairia de mim o mais bonito dos romances. E ele seria tão genial, que levaria ao delírio as garotas dos meus sonhos: a Carla, a Bruna, a Roberta, a Karen e até aquela ruiva que me passa todos os dias sem dizer seu nome, me deixando apenas o prazer de contemplar seus passos.

Todos os homens da minha rua ficariam entusiasmados se um dia eu inventasse um personagem inspirado neles. O Mauro morreria de tanto beber, o Paraná tiraria uma perna e o Seu Eriston finalmente engoliria o rancor e chamaria pelo nome a mulher com quem está casado mais ou menos há trinta anos.

E hoje, exatamente hoje, se eu fosse bom com as palavras ou um escritor decente, talvez pegasse as melhores frases de porta de banheiro e as transformasse nos versos mais bonitos da Mooca, só para consolar o meu amigo, que está mal.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O suco mutante

Eu sei que já escrevi sobre os sabores sinônimos, como a beterraba que tem gosto de milho e o milho que tem gosto de beterraba. Sinto-me no direito de discorrer mais uma vez sobre o sabor dos alimentos deste planeta vil.

Hoje, meus queridos leitores, enquanto cientistas americanos pesquisavam um novo jeito de nos transformar em pasta de amendoim, eu fui iluminado pela luz divina e cheguei a seguinte constatação: “Este peixe está com gosto de mandioca!”

Não estou brincando, é verdade. Foi isso o que você leu. Os alimentos estão mudando de sabor. O peixe não é mais o mesmo, a água também não e o caldo de cana, nossa, nem vou comentar. Antigamente, eu tomava água e sentia aquele sabor puro, limpo, como água mesmo. Hoje não: a cada gole de água que bebo, mais sinto o gosto de coco queimado.

Outra: vocês já repararam que o suco de uva está mais com o jeitão de vinho? Não era assim, suco de uva era suco de uva, vinho era vinho. Sem semelhanças, por favor. Ninguém bebia suco de uva e falava “Tá com gosto de vinho isso aqui”.

Os motivos dessas mudanças devem ser diversos. Talvez o aquecimento global, não sei. A questão do etanol também me deixa dúvidas. O fato é que está acontecendo e não estamos fazendo nada.

Um dia desses, eu, a Nathália e a Rafaella estávamos almoçando. De repente, a Rafaella, que ainda não tinha bebido o suco, pergunta:

– De que é esse suco?
– De melancia – eu respondo.
– Não, é de morango, pô – retruca a Nathália.

Como bons brasileiros que somos, nós apostamos. Eu tinha certeza que era de melancia. Não sou burro, cara. Sei a diferença entre um suco de melancia e outro de morango. São anos e anos tomando Tang! Quer discutir ainda?

A Rafaella, curiosa, foi perguntar ao cozinheiro de plantão. Voltou, exclamando:

– Gente, como vocês são burros! O suco é de goiaba!