quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A velha cadeira

Do mesmo modo que os pais não entendem a juventude dos filhos, chega uma hora, depois da mudança dos anos, que os filhos também não entendem a velhice dos pais. Esse foi o pensamento de Daniel ao ver sua mãe sentada numa velha cadeira, um assento antigo, tão remoído pelo tempo, que ninguém tinha a melhor ideia à qual geração pertencia.

Daniel observou de longe as longas rugas da mãe. A esmo, calculou quantos seriam os anos até que a pele enrugada dela se transferisse para ele. Aos 30, não se imaginava velho, mas reconhecia que, quando jovem, também não se via adulto. A juventude é uma estrada reta; a velhice, uma rua cheia de curvas e postes.

Sua mãe, ali descansando os anos na cadeira, conhecia todos os segredos da existência de Daniel. Porém, ele, como todos os filhos, nunca chegou a conhecer por inteiro a pessoa que lhe jogou no mundo. A cada momento de sua vida uma faceta da mãe era revelada, uma recordação escondida era lançada fora. Daniel se lembrara da surpresa que sentiu ao saber que sua mãe era fã do Chacrinha; que ela, desejosa de aventura, certa vez viajou de moto às Minas Gerais; que sua amada mãe, sempre contida nos sentimentos, já sofrera por um amor perdido.

As brigas com ela, Daniel recordava sempre. Mesmo contrariado em admitir que, sim, fora estúpido algumas vezes, ele até achava graça nas discussões intermináveis por um pedaço de bife. Foram tão malucas aquelas gritarias por um lençol rasgado ou pela louça não lavada. Olhando-a agora, sentada, Daniel ressentiu-se por ter dito certa vez, com raiva na voz, que nada de bom aprendera com ela. Os filhos são quadros pintados pelos pais; depois os pais descansam e deixam os filhos criarem suas próprias pinturas.

Daniel imaginou no que sua mãe estaria pensando naquele momento. Os verdes e velhos olhos daquela senhora talvez tentassem encontrar no vazio alguma esperança de vencer o tempo. Daniel, ressabiado, concluiu que sua mãe conversava sozinha sobre a morte, sobre como seria o fim de seus anos, o último dos dias, em que lugar renasceria. Como é difícil entender os velhos, pensou. Por que o fim agora, mãe?

A curiosidade o arranhava, mas a prudência de tocar no assunto fatal era mais forte e o mantinha preso. Sua mãe viajava através dos olhos, perdida em divagações. Devagar, Daniel chegou mais perto da cadeira. Enfim, encarando o receio, perguntou.

– No que a senhora está pensando, mãe?
– Em nada importante, meu filho. Estou apenas lembrando do meu primeiro beijo.

5 comentários:

Jefferson Sato disse...

Bom conto! Belo final! Sua cara (óbvio, você que escreveu).

De repente isso que você ilustrou na pequena história vale para várias coisas da vida. Acho que todo mundo pensa demais, planeja demais, detalha demais.

A verdade é que tudo na vida é mais complicado e, ao mesmo tempo, mais simples do que parece. A gente só não percebe isso.

Gleyci Pamplona disse...

Nossa, isso toca o coração de qualquer um, me deu vontade de sair correndo abraçar minha mãe e dizer que a amo.
Parabéns, sempre que vocês escreve passa um sentimento muito intenso.
Abraços.

Nath disse...

final mais lindo :D

achei o texto meio triste, mas nao deixa de ser bonito, bem escrito.

Le, ja da pra escrever um livro com esses contos!
e eu quero uma copia, tah? xD

beeijo

Macaco Mizaru disse...

"Sua mãe, ali descansando os anos na cadeira, conhecia todos os segredos da existência de Daniel. Porém, ele, como todos os filhos, nunca chegou a conhecer por inteiro a pessoa que lhe jogou no mundo"

Nunca tinha pensado nisso... puxa! Que crua essa verdade!

Parabéns, cara! Arrebatadora a sua crônica. Isso que achei.

E, ao contrário da Nath, não achei triste. Achei ela até bem alegre. Mesmo nos últimos anos ainda podemos nos alegrar com coisas simples como as lembranças.

Deu saudades da minha mãe. Pode me chamar de seu fã! E aceito suas críticas lá no 3B! XD

abraço


www.tresbananas.blogspot.com

eduardo disse...

poesia pura velho..
fenomenal!
balança qualquer um..
falando nisso, era de balanço essa cadeira ?