sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Olha a chuva!

As primeiras gotas caíram ralas, às quinze horas e trinta minutos. O vendedor de balas, que fazia ponto na calçada junta ao córrego, gritou: “Olha chuva!”. Todos levantaram as cabeças ao céu e viram o negrume das nuvens que cobriam a cidade: a calmaria se esvaiu juntamente com a poeira do asfalto. O chão preto ganhou nova textura, estava liso.

Na praça, um senhor deixou de lado as pedras do dominó. “Vai molhar a roupa no varal”, disse, e logo saiu correndo. Os demais velhos não compartilharam o medo e foram se esconder num açougue do outro lado da rua. “No meu tempo, não chovia tanto assim...”, lembrou um senhor, perspicaz.

O vendedor de balas guardou um pacote no bolso traseiro; em seguida tirou, não se sabe de onde, um enorme saco de guarda-chuvas: alguns eram coloridos, outros, de bolinhas amarelas sobre o fundo negro.“Olha o guarda-chuva!”, anunciou, aumentando o tom da voz por conta do estrondo das águas, que caíam forte. Uma grã-fina quis saber quanto custava um: havia esquecido o dela em casa. “Chove muito por aqui, não?”, disse, mexendo nos cabelos, que já ganhavam nova forma.

Um barulho esquisito cortou o ar: dois carros se chocaram em frente ao açougue. Os motoristas, enfurecidos, saíram dos automóveis e mancharam de água as suas camisas engomadas. “Você não sabe brecar?”, perguntou o primeiro, raivoso. “Eu sei, você que breca demais”, retrucou o segundo, com raiva.

Na rua ao lado, o senhor do varal desistiu de correr, pois se lembrou da esposa, que estava em casa e, provavelmente, já salvara as roupas da aguaceira. “A chuva logo passa”, disse a si mesmo, convencido que retornaria ao dominó. Ao caminhar, ele escorregou no piso molhado e torceu um pé. Retorcendo-se de dor, pegou o celular para ligar à ambulância. “O pior da chuva é o mundo que cai com ela”, lamentou-se.

A grã-fina arrumava os cabelos quando a água do córrego inundado lhe molhou os sapatos. “Credo!”, disse, com nojo do líquido barrento que cobria seus pés. “Eu não sabia que isso aqui alaga, moço”. O moço era o vendedor de guarda-chuvas. “Ninguém nunca sabe. Toda vez que inunda é uma surpresa”, respondeu ele, mostrando os dentes.

No açougue, os velhos lançavam conversa fora quando os motoristas acidentados trocaram socos. “Você sabe o quanto vai custar isso aqui?”, perguntou um deles – não se sabe qual –, apontando para uma parte amassada do veículo. De repente ouviram a sirene de uma viatura da polícia. “É melhor ir embora. Anota aí o meu telefone”, sugeriram ambos, parando a luta imediatamente.

O temporal diminuía aos poucos. Sentindo os pingos menores, o senhor caído levantou: estava bem, sem dor, e nada de ambulância! Os velhos do açougue retornaram à paz da praça, e à guerra do dominó. A grã-fina tirava os sapatos encharcados quando seu táxi chegou. Depois ela percebeu, espantada pela má sorte, que não tinha dinheiro para pagar a corrida.

O vendedor ainda segurava os guarda-chuvas enquanto caíam os últimos pingos. Pensou em voltar às balas. Parou um instante...Depois se virou ao céu: entre as nuvens, um raio de luz iluminava a cidade. “Olha o sol! Vai uma sombrinha aí, dona?”, gritou.

4 comentários:

Jefferson Sato disse...

HUauhauhauhauhauha!
Me lembrei da gente conversando sobre esses vendedores ambulantes que sempre têm guarda-chuvas guardados em algum canto misterioso. É só começar a chover que todo mundo tá vendendo guarda-chuvas. Nem o Batman tem isso no cinto de utilidades.

Só digo uma coisa: chuva é uma droga. Adoro tomar chuva às vezes, mas, em geral, só atrapalha minha vida.

Três Macacos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Macaco Mizaru disse...

Hey Leandro!

Vi seu comentário lá no meu blog L.I. [Linhas Interligadas] ... Sinceramente, estou meio confuso se já lhe disse isso... enfim.

Aquele blog está meio desativado. Estou escrevendo com uns amigos no www.tresbananas.blogspot.com Seria legal se desse uma passada lá!


Agora ao seu texto. Achei muito boa a narrativa, uma ambientação e descrição fluentes e envolventes. O mais bacana é o humor sutil que segue a gente enquanto lemos. Parabéns mesmo! Continue escrevendo!

Ah, o que acha de uma parceria? Trocar links nos favoritos de cada blog?

Abraço

www.tresbananas.blogspot.com

Letícia Ribeiro disse...

Muito bom, Leandro.