quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Cooperifa

“Não! Ali não pode estacionar...é o ponto de ônibus”, alguém gritou de dentro do Bar do Zé Batidão, orientando o local onde os veículos visitantes deveriam ficar. “Você pode deixar o carro ali embaixo, assim fica mais fácil para quando vocês forem embora”, aconselhou. Ir embora? Não, não, impossível. Sair da Cooperifa é tão difícil quanto chegar. Ninguém vai embora de lá: talvez os corpos, sim, mas transformados, com certeza. O coração e a alma ficam naquelas mesas para sempre.

O Sarau Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) acontece todas as quartas-feiras, no Jardim Guarujá, lá quase perto da lua, tantas vezes cortejada. Como diz o poema de Sérgio Vaz, “no cume do subidão do piraporinha, perto das nuvens e longe da superfície, terreno fértil para o plantio de poemas e poetas".

No Sarau da Cooperifa você vai encontrar: cinco grandes fileiras de mesas de plástico vermelho (e mais algumas mesinhas solitárias, para o caso de o poeta não ter amigos); garrafas de cerveja que causam hipotermia em mãos e gargantas desavisadas; escondidinho de carne seca, tão cheiroso que dá vontade de declará-lo amor eterno; dois banheiros; uma árvore conservada no meio do bar, que se tivesse voz, também faria poesia.

Mas no Sarau da Cooperifa encontra-se principalmente: poesia e poetas. Poetas negros, poetas brancos e amarelos, poetas de cabelos grandes, curtos, enrolados. Poetas de peruca. Poetas jovens e velhos. Alguns poetas são cozinheiros, outros limpam com versos os prédios da classe média. Há poetas motoristas e poetas motoboys. Poetas alunos, ou professores, poetas que cantam rap...Assim, de poeta em poeta, a Cooperifa transforma as dificuldade cotidianas da periferia em rimas de alegria. “Aqui todos são chamados de poetas”, diz Marcio Batista, que nas horas vagas é professor de educação física, mas tem a poesia como profissão.

“Só faltei ao Sarau três vezes: quando eu estava em um congresso, uma eu não consegui chegar a tempo e última foi quando meu filho quebrou o pé”, lembra Marcio, um dos mentores do grupo. “O Sérgio Vaz e eu andamos juntos desde moleque, ele me incentivou a começar a escrever. E hoje estou aqui, com nove livros publicados”.

Inspirada na Semana de Arte Moderna de 1922, o primeiro encontro da Cooperifa reuniu cerca de 150 pessoas, entre elas, artistas de diversas áreas, como a literatura, a música e o teatro. “No começo, era um monte de poetas na calçada sem ter o que fazer. Depois o pessoal começou a se apresentar, recitar seus poemas”, diz Marcio. Nove anos depois, são mais de 400 pessoas por encontro. O Sarau, aliás, não é o único evento da turma: há também o “Cinema na Laje”, o “Ajoelhaço” (quando os homens se ajoelham em perdão às mulheres) e o “Poesia no Ar”, ideia de Sérgio Vaz, que colocou poemas em bexigas e as soltou pela cidade.

Além de idealizador da Cooperifa, o poeta Sérgio Vaz, também conhecido como Colecionador de Pedras, é quase um puxador de samba. Vai ao palco, pega o microfone e incendeia o seu público para o espetáculo que vem a seguir. “Boa noite, povo lindo, povo inteligente! Na Cooperifa, o movimento cultural de periferia para periferia! Todo mundo aqui é bem-vindo: gente de todos os credos, cores e dores! É tudo nooossooooo!”

Às nove horas em ponto começam as apresentações, cuja única regra é: “silêncioooo”, o silêncio que todos escutam felizes. O vácuo só é invadido pelas vozes dos poetas, que recitam de diversas maneiras: alguns interpretam como atores de verdade, subindo em cadeiras e chamando o público a participar, outros leem com o swingado do rap ou do samba, tocado no cavaquinho e no coração.

Na Cooperifa, os assuntos fogem um do outro: em um momento é a violência ou a exclusão social sofrida pela periferia, no seguinte, o amor declarado pelo Seu Lourival, poeta de corpo, alma e peruca. Saudade, encontros, paixões e desencontros, morte, vida, tudo, tudo...todo o mundo cabe nas palavras de um poeta. “Eu não sabia, mas a poesia é que nos faz feliz”, canta Dengue, que pela primeira vez apresenta seus versos.

Ele tem razão. Às onze horas, quando as cortinas se fecham no sarau, é impossível deixar de ser feliz.

2 comentários:

Leandro disse...

Reportagem mais ou menos antiga.

Aliás, quando estive na Cooperifa fiquei com uma estranha sensação: lá é realmente o meu lugar, mesmo eu não sendo poeta.

Não sei se isso já aconteceu com vocês...

Abraços.

Ps.: procurem pelo poema "Porém", do Sérgio Vaz. É genial!

Jefferson Sato disse...

Sim, já senti isso! No Clube Caiubi.

A Cooperifa parece muito legal. Queria conhecer um dia. Precisamos ir, hein!

PS: Acredita que eu não lembro desse texto?